6 de Outubro de 2025
INDUSTRIAS E INDUSTRIAIS – 13. A Fábrica de Papel de Matrena, em Asseiceira, Tomar
1890 ago. 13, Tomar
Escritura de cessão, autorização e promessa de venda feita entre António Pais da Silva, João de Oliveira Casquilho, ambos negociantes de Lisboa, e Manuel Valente de Almeida e sua esposa, residentes em Ovar.
PT/ADSTR/NOT/13CNTMR/001/0041 – Cartório Notarial de Tomar – 13.º Ofício, tab. António Liberato de Araújo Dias, liv.41, f.24v.(parte) a 26v
A Fábrica de Papel de Matrena, em Asseiceira, Tomar
1. No princípio era o Rio
É o rio Nabão, em Tomar, o grande responsável pela sua riqueza e prosperidade “pois nas ubérrimas veigas marginais reside a sua maior riqueza agrícola, e na hulha branca do seu caudal a principal potência que move a sua famozíssima indústria.” [1]
Nos vales do Nabão e seus afluentes formam-se os rápidos como os de:
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- Porto Cavaleiros;
- Sobreirinho;
- Prado;
- Ponte da Granja;
- Vau dos Cavalos ao Cu de Cão;
- Penedo do Lava-Cus ao Piolhinho;
- Marianaia; e
- Matrena.
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Nestes pontos, para regular e potenciar o curso das águas foram sendo construídas estruturas hidráulicas como caneiros, açudes, e instalados, desde tempos muito recuados, variados engenhos como: rodas, lagares, azenhas e moinhos.
Com o decorrer do tempo os engenhos foram dando lugar a múltiplas fábricas dos mais variados ramos sendo em maior número as de papel, como as de Porto Cavaleiros, Sobreirinho, Prado, Marianaia e Matrena.
Com este artigo pretendemos focar-nos na criação da fábrica de Matrena e no seu fundador João de Oliveira Casquilho destacando a escritura de promessa de venda de parte da Quinta com o mesmo nome com o intuito de aí se construir uma fábrica, ao tempo ainda de um ramo indefinido, mas que se iria tornar numa modelar fábrica de papel de âmbito nacional.
2. A Quinta de Matrena
No Rol dos Bens dos Templários de 10 de setembro de 1327 já vêm mencionados os Pisões de Matrena e um lagar que aí se estava a construir[2].
Em 10 de fevereiro de 1580[3] era morgado de Matrena o Doutor Fernão de Pina Marecos. Fernão de Pina era filho de Nicolau de Pina, dito da grande casa dos Pinas de Florença, e de Branca Anes Marecos, descendente da família Montanha do Reino de Castela. Casou com Mor de Faria, filha de Sebastião Lopes Guedes, senhor de Arzila em África por ter participado na sua conquista. Foi um dos conselheiros que tentou junto de D. Sebastião evitar a Batalha de Alcácer Quibir, tendo depois, na contenda da sucessão de Portugal com Castela, sido procurador de ambas as coroas, vereador perpétuo, conservador da moeda, chanceler e provedor-mor da Saúde no tempo da peste. Depois da morte do cardeal D. Henrique,
“sobre a causa de Dom António, prior do Crato, por ele lhe não entregar as chaves da cidade, um mancebo, à treição (sic), indo ele a cavalo per uma rua de Lisboa, lhe deu uma cutilada na cabeça com um alfanje, de que faleceu, perdoando ao que o feriu e morrendo, como sempre viveu, com grande exemplo de cristandade.”[4]
Sucede-lhe no Morgado de Matrena seu filho Máximo de Pina que era casado com D. Maria de Lemos, filha de Manuel de Lemos, corregedor de Tomar.
Em seu nome vemos passados quatro diplomas de privilégio sobre engenhos e fornos:
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- 1583-02-04 – Privilégio para fazer engenhos de amassar, cozer e biscoitar pão (Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, liv. 13 de Privilégios, f. 332v.);
- 1595-09-16 – Privilégio para estabelecimento de um forno de vidro, na sua Quinta de Matrena (Chancelaria de Filipe I, liv. 4 de Privilégios, f. 94v.);
- 1608-02-16 – Alvará para um engenho que inventara de limpar as caldeiras de moinhos (Chancelaria de Filipe II, liv. 17 de Doações, f. 243v.);
- 1616-10-14 – Alvará para certos engenhos com que dobrava o uso das águas das fontes de Lisboa (Chancelaria de Filipe II, liv. 5 de Privilégios, f. 80).
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- Em 1758, o prior da vila da Atalaia, Berardo Correia da Silva, na resposta aos interrogatórios para o Dicionário Geográfico, relativos à paróquia de Asseiceira, refere que era então possuidor da Quinta de Matrena “[…] Gonçalo Barba Alardo de Pinna e, Lemos chéfe da antiquissima e Illustre familia de Barbas Alardos que foram Alcaides móres de Leiria e Óbidos e senhores de Castro forte, e pella parte materna hé descendente dos Pinnas e Lemos senhores da dita Quinta, e dos Pessoas e Manoéis, e decendente de D. João Manoel Comendador que foi da Idanha a nova o qual era decendente de um Irmão de D. Fradique Manoel de quem decende a caza dos condes de Atalaya; […]”[5].
A Memória não faz qualquer menção à existência ou ruínas da fábrica de vidro, senão aos “[…] notaveis engenhos de fazer pão e azeite que não só são muito rendozos, mas na arquitetura unicos e singulares no Reyno, porque havendo já quem os quizese fazer á sua imitação não houve quem lhe entendesse o artefacto ou menos quem o pudésse por em práctica ; […]”
Em 1876, segundo Amorim Rosa, os moinhos estavam arrendados a António de Albuquerque do Amaral Cardoso[6].
Em abril de 1880, segundo o mesmo autor, Manuel Valente de Almeida Júnior, negociante, morador em Ovar comprou a quinta, moinhos, caneiros e mais bens do Morgadio de Matrena.
Fig. 1 – A ponte de Matrena, ant. 1900.
Publ. https://bibliotecalinhaceira.blogspot.com/2013/08/os-dias-da-linhaceira-11-de-agosto-de.ht [consult. Set. 2025]
3. João de Oliveira Casquilho (1834-1934)
Fig.2 – João de Oliveira Casquilho (De Tomar, 1934)
Nasceu a 4 de outubro de 1834, na localidade de Ortiga, freguesia de Panascoso, então concelho de Abrantes[7], filho de Manuel Marques Casquilho, natural da Ortiga e de Ana de Oliveira, natural de Alvega ⚭ 15 de agosto de 1868, Tomar, com Maria Henriqueta de Roure Pietra, natural de Tomar, filha de Silvestre Schiappa Pietra, natural de Pernes e de Mariana de Roure Pietra, natural de Lisboa (Encarnação) † 13 de fevereiro de 1891, Lisboa (Mercês), sepultada no cemitério dos Prazeres em jazigo, † 4 de janeiro de 1934, Tomar (R. Serpa Pinto), sepultado no cemitério dos Prazeres, Lisboa.
De famílias não abastadas não foi sem sacrifícios que fez os seus estudos em Abrantes, prosseguidos em Castelo Branco e depois em Coimbra.
Foi professor de latim primeiro em Castelo de Vide e, a partir de setembro 1871, em Tomar.
Nada o vaticinava para grande industrial e capitalista, todavia, esse destino veio-lhe com o casamento.
O seu sogro, Silvestre Schiappa Pietra, que tinha sucedido a seu pai nos negócios das fábricas de teares para meias, verrumas e sovelas, estabelecidas em Pernes, vai para Alcobaça em 1814 onde, em sociedade com Domingos Gomes Loureiro, sob a firma Domingos Gomes Loureiro, Filhos & Pietra, mais conhecida por Loureiros & Pietra, dirige tecnicamente uma fábrica de tecidos de algodão (1814-1826). Em 1816, vai para Tomar, a convite do mesmo Domingos Gomes Loureiro, que nesse ano assume a direção da fábrica de fiação, como maquinista, dito discípulo do mestre Francis Whelhouse, passando a dirigir tecnicamente a mesma mantendo-se aí até à sua morte em 1854[8]. No início dos anos 20 do séc. XIX desenvolveu, no lugar do Prado, freguesia de Pedreira, uma fábrica de papel.
A fábrica de papel do Prado é vendida em 1875 por João de Oliveira Casquilho e seu cunhado Henrique de Roure Pietra a um grupo de capitalistas.
Em 1879 abandona o ensino, aposentando-se com dois terços do ordenado de professor vitalício da cadeira de latim e latinidade da cidade de Tomar (decreto de 15 de maio de 1879).
Deixa Tomar em 1881 e vai viver para Lisboa com a esposa e filha[9]. Em agosto de 1890 residia na rua da Rosa, número duzentos e noventa e cinco, segundo andar.
Calcula-se que em 1889 terá viajado pela Europa acompanhado da mulher e da filha, que tinha então 18 anos. Rosendo difundiu a ideia de que terá sido numa viagem à Europa que Casquilho terá desenvolvido a ideia de erigir uma fábrica em Tomar.
São impressionantes as aplicações de capital de Casquilho que conseguimos apurar a partir do Diário do Governo:
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1880-04-07 – Dissolução da sociedade que tinha Agostinho Ferreira da Silva com os srs. João de Oliveira Casquilho e Henrique Pereira Taveira na Fábrica de sabão ao Poço do Bispo, sob a razão de Agostinho & C.ª, passando todo o ativo e passivo desta firma, desde 30 de novembro de 1879, a cargo de Agostinho Ferreira da Silva, que continuava com a mesma fábrica e a usar a mesma firma de Agostinho & C.ª, dando procuração bastante ao sr. João José Bastos para gerir os negócios e assinar a referida firma. Notas do tabelião de Lisboa João Camellier |
1882-12-27 – Escritura de reforma dos estatutos da Companhia de Moagem de Santa Iria, com o objeto de comércio, moagem e panificação de cereais, com sede em Lisboa e fábrica de moagem situada na quinta de Ferral, freguesia de Santa Iria de Vila Franca de Xira. Notas do tabelião de Lisboa Manuel Bernardino Soares de Brito. João de Oliveira Casquilho consta como um dos sócios fundadores. | |
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1884-02-23 – Constituição da sociedade em comandita sob a firma Beirão, Silva Pinto & C.ª, L.da. o objeto da sociedade era o da compra e venda por conta própria ou alheia de papéis de crédito, fundos públicos nacionais e estrangeiros, operações bancárias e em geral todas as transações comerciais próprias deste tipo de estabelecimentos. |
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1884-05-19 – Estatutos da Companhia Portuguesa das Minas de Cala, SARL– minas de pirite cúprica “S. Fermin de las Dolores” e outras, na província de Huelva, adquiridas a D. Manuel Iglesias e Joaquim Pedro dos Reis. Notas do tabelião de Lisboa Francisco Guilherme de Brito. João de Oliveira Casquilho consta como um dos sócios fundadores. |
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1884-08-02 – Estatutos da Companhia das Minas de Cobre da Cabeça Alta, SARL – minas de cobre de “Cabeça Alta”, “Dona Amada de Baixo” e outras situadas na freguesia de Santa Maria de Lagoa, concelho de Reguengos, Évora. Notas do tabelião Francisco Guilherme de Brito. João de Oliveira Casquilho consta como um dos sócios fundadores. |
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1888-07-06 – Estatutos da Companhia de Viação Urbana a Vapor, com sede em Lisboa. João de Oliveira Casquilho consta como um dos vogais efetivos do Conselho Fiscal juntamente com Isidoro José de Freitas. |
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Em outubro de 1889, na escritura de alteração dos estatutos da Companhia da Fábrica de Papel do Prado consta como vogal [efetivo] do Conselho Fiscal juntamente com Dr. José Joaquim da Silva Amado, Manuel Joaquim Alves Diniz, Francisco Vaz, Francisco da Silveira Vianna. |
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1891-12-18 –Na escritura de constituição definitiva da sociedade anónima de responsabilidade limitada, Chapelaria a Vapor Agostinho Roxo. Notas do tabelião de Lisboa Cosmelli, Casquilho consta como um dos sócios fundadores. |
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1896-05-19 – A requerimento de João de Oliveira Casquilho, o Tribunal do Comércio de Lisboa proferiu sentença declarando em estado de quebra a Companhia de fiação, tecidos, tinturaria de Rio Alcoa, sociedade anónima de responsabilidade limitada, com sede em Lisboa, nomeando administrador da massa falida a AntÓnio Joaquim da Costa Torres, e curadores fiscais o requerente João de Oliveira Casquilho e Bernardino, Filhos & Ribeiro. |
Não é à toa que o jornalista do Diario Illustrado, quando descreve o enterro de D. Henriqueta de Roure Pietra, em 13 de fevereiro de 1891, refira que aí vira “[…] tudo o que há de notavel na finança, no commercio, e na industria […]”.
Quando morre, em 1934, a pouco tempo de completar o seu centenário, em sua memória, o jornal De Tomar define-o como grande benemérito tendo feito “avultadas benesses” à Misericórdia, devendo-lhe esta a quase totalidade da renovação do velho edifício e a instalação do Raio X. Na educação, a cidade ficava-lhe também devedora do auxílio que prestou na criação do Colégio Nun’Álvares disponibilizando gratuitamente um edifício[16], na Rua da Graça.
Ficou-lhe a dever bastante, também a sua terra natal, a Ortiga à qual concedeu vários apoios financeiros destinados aos seus melhoramentos. Para além de elevada doação para construção do cemitério, consta que, em 1923, foi responsável pelo financiamento integral da construção da primeira fonte pública, no centro da Ortiga, da exploração e da rede de canalização da água potável desde a Corga das Figueiras, bem junto do Vale Grande, até à referida fonte. Terá também exercido a sua influência política junto do Poder Central para a elevação da Ortiga a freguesia (Decreto n.º 15:324, de 31 de março de 1928).
A freguesia, em sua homenagem, em 1925, ergueu-lhe um busto que se encontra atualmente no centro do largo com o seu nome.
Fig. 3 – A fonte oferecida a Ortiga por João de Oliveira Casquilho, local onde foi instalado, em 1925, o seu busto. Foto: DR (meditejo.net)
4. Do início da fábrica de Matrena…
No dia 6 de junho de 1890 Manuel Valente de Almeida e sua esposa D. Rosa do Patrocínio Pereira, de Ovar assinam promessa de venda a António Pais da Silva, de Lisboa do “motor” existente na sua Quinta de Matrena que compreendia casas de moinhos, lagar de azeite, casa de tulhas, e casas de habitação dos moleiros e mais acomodações, bem como o terreno até à margem do Rio Nabão que, com o daquelas edificações, perfazia 20.000 m2, em cuja área se compreendia ainda o açude e as suas azenhas, e a ponte de Matrena para ele organizar uma empresa, ou sociedade que ali estabelecesse uma indústria fabril, pela quantia de dez contos de reis sendo seiscentos em dinheiro e quatrocentos em ações, da empresa ou sociedade que se realizar.
Em 13 de agosto de 1890, António Pais da Silva cede, com acordo do proprietário, a referida promessa de venda com suas condições a João de Oliveira Casquilho acrescentando-se mais uma azenha com uma casa, com suas pertenças e logradouros, situada da parte de baixo da ponte e do terreno preciso para se abrir uma estrada numa das margens do rio também pela parte de baixo da ponte em toda a extensão da propriedade.
Em princípios de novembro de 1890 já empregava 300 operários. Já estava construída a muralha junto ao Rio Nabão e faziam-se então os aterros para a nivelação dos edifícios.
A construção do açude deu aso a protesto dos proprietários rurais que se sentiam prejudicados o que levou a que a Câmara procedesse a uma vistoria e que a construção do açude fosse temporariamente embargada pela Circunscrição de Hidráulica.
Em 13 novembro de 1890, António Rodrigues Claro, empreiteiro da Fábrica de Matrena, oficia à Câmara que em breve enviaria a planta pormenorizada das obras que estava a fazer na Fábrica Nova de Matrena, as quais somente seriam começadas em meados do Verão na parte respeitante ao açude.
Os estatutos da Companhia Industrial da Matrena foram publicados no dia 26 de maio de 1893 (DG n.º 118). A Companhia tinha a sua sede em Lisboa e por objeto a indústria de fiação, tecelagem e tinturaria de algodão ou qualquer outra que a assembleia geral julgasse conveniente. João de Oliveira Casquilho era o gerente e Delfim José Monteiro Guimarães, o subgerente e também vice-secretário da Assembleia Geral. António Pais da Silva era vogal substituto do Conselho Fiscal.
Desconhece-se quando é que foi tomada a decisão de enveredar por uma fábrica de papel em vez de uma de fiação e tecidos.
Em 6 de julho de 1893 João de Oliveira Casquilho expôs à Câmara de Tomar que pretendia mandar reconstruir o açude e seus canais para assentamento de duas ou mais turbinas e um poço a jusante do antigo açude juntando planta da obra.
Em 3 de fevereiro de 1896 a Administração do Concelho de Tomar anunciava que estava aberto nessa Administração o inquérito público sobre a licença pedida por João de Oliveira Casquilho para reconstruir definitivamente um açude no rio Nabão, no lugar de Matrena, freguesia da Asseiceira.
A 8 de agosto de 1899 foi instalado um gerador cilíndrico-tubular com a capacidade de 15.480 m3 e a superfície de aquecimento de 100 m2.
Quando foi inaugurada, a 5 de janeiro de 1900, ocupava 6.320 m2, compondo-se dos seguintes edifícios: armazéns de pasta e trapo, máquina de cortar trapo e batedor, lixiviadora esférica com 3 m de diâmetro, casa de branqueadores, casa dos cilindros com 3 desfiadores e 5 refinadores, casa da cola, casa da máquina contínua com 47mx22,5m, casa da calandra, caldeira. Tinha 2 turbinas, uma de 200 CV e outra de 45 CV.
A 11 de março de 1901 o Juízo de Direito de Tomar, pelo cartório do 3.º Ofício lançou éditos de 10 dias citando todos os que se julgassem com direito a 408 m2 de terreno de horta, 3694 de semeadura, 951 de mato e pinhal, 40 de oliveiras, 3 de sobreiros, e 3 de figueiras e outras árvores, pertencentes à Quinta de Matrena, terreno expropriado amigavelmente pela Direção de Obras Públicas do Distrito de Santarém a Manuel Valente de Almeida e sua mulher D. Rosa do Patrocínio, pela quantia de 350$000 rs para construção do lanço de estrada de Constância à Guerreira, lanço da Ponte de Matrena a Santa Cita.
5. … até ao fim.
A Fábrica de Papel de Matrena cedo se afirmaria, assumindo-se como uma das principais referências da indústria papeleira em Portugal, como se demonstra, por exemplo, pela encomenda, na sequência da implantação da República, por parte do novo regime, de papel com uma marca de água especial, uma filigrana representando o busto da República.
Fig. 4 – Rolo filigranador da Fábrica de Matrena, Museu do Papel de Santa Maria da Feira – Paços de Brandão
(Fotog. Paula Pereira, public. Estudo das materialidades e técnicas de fabrico do livro antigo […], 2023)
Em 1922, constitui-se como sociedade por quotas com a designação de “Fábrica de Papel de Matrena, Ld.ª”[17]. Tinha o capital social de 500.000$00 divididos por 5 quotas: João de Oliveira Casquilho – 400 contos; D. Alejandro Diaz de Tuesta – 60 contos; Albino de Lima Simões – 20 contos; João Rasteiro – 10 contos e António Rodrigues Claro – 10 contos.
Na década de 1930 as indústrias ocupavam perto de 18% da população ativa. Havia as fábricas de papel, a fábrica de tecidos de algodão, duas fábricas de moagem, azenhas para ramas, uma fundição de metais e uma central elétrica[18].
O concelho de Tomar, mesmo atravessando um breve período de crise (1929-1930), foi adquirindo infraestruturas e valências que muito beneficiaram o seu desenvolvimento, nomeadamente:
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- Comunicações e transportes. Para além da construção e melhoramento de estradas, um dos vetores do Estado Novo, Tomar passa a ter também comboio com ligação à capital com a inauguração do Ramal de Tomar em 1928;
- Energia elétrica, dispondo no seu termo da barragem hidroelétrica do Castelo de Bode, inaugurada em 21 janeiro de 1951; e
- Mão de obra – facilidade no recrutamento de operários e de aprendizes, em boas condições técnicas, visto haver na cidade uma Escola Industrial e Comercial[19] com uma média de frequência de cerca de 800 alunos.
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O período áureo da Fábrica de Matrena foi assumido pelo neto de João de Oliveira Casquilho, Joaquim Pedro da Assunção Rasteiro[20].
No decurso da década de 1950, a empresa atraía alguns dos melhores técnicos nacionais e internacionais, em paralelo com a anunciada criação, na Escola Comercial e Industrial de Tomar, do curso de Técnico Papeleiro[21]. Por esses motivos, e também por possuir uma excelente biblioteca técnica chegou a ter, no meio papeleiro, o epíteto de “universidade do papel”.
A crise começa a insinuar-se a partir da década de 1970. Em 1974 a Matrena conheceria um novo proprietário, Vasco de Quevedo Pessanha.
No final da década de 1980, o município de Tomar ainda possuía uma posição de relevo a nível empresarial. No seu território existiam ainda as Fábricas Mendes Godinho, a Companhia do Papel do Prado, a Companhia do Papel de Porto de Cavaleiros, Manuel de Freitas Lopes e Companhia, Fábrica de Fiação de Tomar, a Companhia de Papel da Matrena.
O conselho de administração que assina o relatório de contas de 1982, do qual faziam parte: Vasco de Quevedo Pessanha (presidente), Jaime Afonso Ramires da Silva, Vasco Luís Schulthess de Quevedo Pessanha, João António Pereira Dias e Joaquim de Sousa Arocha faz referência a uma crise internacional generalizada da indústria papeleira, segundo eles, “a mais profunda dos últimos quarenta anos”. Segundo o mesmo relatório, “A crise generalizada de consumos e subida vertiginosa de custos sem a respetiva contrapartida nos preços do mercado interno, tornou o exercício em apreço um dos mais difíceis das últimas décadas.”[22]
A nova administração que tomou posse em finais de 1983 gizou ambiciosos projetos que passavam pela criação de uma nova unidade fabril, a Matrena II, planeada implantar no chamado pinhal de Santa Cita. Reconhecendo o limitado dimensionamento do mercado nacional, a aposta passava pela exportação. De acordo com texto promocional de finais dos anos 80, a nova unidade permitiria quintuplicar a capacidade de produção de papéis de impressão e escrita e reforçar a posição da empresa quer em Portugal quer no estrangeiro.
A abertura da Matrena II, no início da década de 1990, acabaria, no entanto, por coincidir com o início do derradeiro capítulo da existência da Matrena, a sua falência seria decretada no final de 1999.
Em finais de 2002, foi adquirida por outra sociedade, a Fábrica de Papéis do Nabão que, entretanto, abre falência. Foi adquirida por outra empresa e voltou a funcionar de uma forma mais artesanal até 2013, altura em que o dono morre em trágico acidente. Desde então encontra-se fechada, à venda e em crescente processo de degradação.
APENSOS
(Transcrições)
1. 1890 jun. 06, Tomar |
Escritura de promessa de venda feita entre Manuel Valente de Almeida e sua esposa, D. Rosa do Patrocínio Pereira, da vila de Ovar, e António Pais da Silva, de Lisboa.
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PT/ADSTR/NOT/13CNTMR/001/0041 – Cartório Notarial de Tomar – 13.º Ofício, tab. António Liberato de Araújo Dias, liv.41, f.5 (parte) a 6v. (parte) | 03_promessa de venda_06_06_1890 |
2. 1890 ago. 13, Tomar |
Escritura de cessão, autorização e promessa de venda feita entre António Pais da Silva, João de Oliveira Casquilho, ambos negociantes de Lisboa, e Manuel Valente de Almeida e sua esposa, residentes em Ovar.
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PT/ADSTR/NOT/13CNTMR/001/0041 – Cartório Notarial de Tomar – 13.º Ofício, tab. António Liberato de Araújo Dias, liv.41, f.24v.(parte) a 26v | 13_promessa de venda_13_08_1890 |
BIBLIOGRAFIA IMPRESSA
CUSTÓDIO, Jorge – A indústria em Alcobaça da Idade Média à Comunidade Europeia: Uma síntese (ou quase). Um Mosteiro entre os rios. O território alcobacense. MADURO, António Valério e RASQUILHO, Rui (coord.). Alcobaça: Hora de Ler, 2021. Coleção: História & Memória, 26. pp.871-974. pdf
DIARIO ILLUSTRADO. 1891-02-15. p.2. col. 3 e 4
DAMAS, Carlos Alberto – José Maria do Espírito Santo e Silva, de cambista a banqueiro, 1869-1915. Análise Social, vol. XXXVII (164), 2002. pp.851-878
FRUTUOSO, Gaspar – Saudades da terra: livro VI. Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998
GUIMARÃES, Manuel da Silva – História de uma fábrica: A Real Fábrica de Fiação de Thomar. Santarém: Junta Distrital, 1976
João de Oliveira Casquilho. De Tomar, Ano VI, n.º 255, 7 jan. 1934, p.1
PEIXOTO, João Amendoeira – Introdução e adaptação do discurso de Máximo de Pina. Cidade de Tomar, 30 de março de 2018, p.22
PEREIRA, Paula Alexandra da Costa Leite Pinto – Estudo das materialidades e técnicas de fabrico do livro antigo: Contribuição para o estudo da Encadernação, Conservação e Restauro do livro em Portugal. Évora: Universidade de Évora, 2023 (tese de doutoramento)
ROSA, Amorim – História de Tomar, vol. II. Santarém: Assembleia Distrital, 1982. pp.165-166
ROSENDO, Joaquim – João de Oliveira Casquilho: Promotor da independência de Ortiga. A freguesia de Ortiga. 1948. p.6
SANTOS, [Mário] Beja – Matrena, nome lendário de papel. O Templário, 12-10-2017, p.16
VICENTE, Leonel – Matrena – A fábrica de papel, a casa do pessoal e o grupo desportivo. [s.l.]: Exlibris, 2016
RECURSOS WEB
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PEIXOTO, João Amendoeira – João Amendoeira . Máximo de Pina Parte 2 [em linha], 20-04-2018 [consult. 30-09-2025] disponível em WWW: <URL:https://joaoamendoeira.blogspot.com/2018/04/maximo-de-pina-parte-2.html>
FONTES MANUSCRITAS
PT-TT-MPRQ-1-23 – Arquivo Nacional da Torre do Tombo – Memórias paroquiais, vol. 1, nº 23, p. 205 a 210
PT-ADSTR-NOT-13CNTMR-001-0041 – Cartório Notarial de Tomar – 13.º Ofício, Notas para escrituras diversas, liv.41, tab. António Liberato de Araújo Dias
PT-ADSTR-NOT-16CNTMR-001-0112 e 0119 – Cartório Notarial de Tomar – 16.º Ofício, Notas para escrituras diversas, liv.112 e 119, not. Agnelo Tavares Barreto Alves Casquilho
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[1] ROSA:132.
[2] ROSA:165.
[3] Idem.
[4] FRUTUOSO:43.
[5] Sobre a descendência de Fernão de Pina V. o site Famílias de Leiria: Descendentes, ascendentes e colaterais de algumas famílias de Leiria disponível em WWW. <https://www.familiasdeleiria.com/> [consult. em 02-10-2025].
[6] ROSA:165. D. António de Albuquerque do Amaral Cardoso, casou em segundas núpcias com D. Emília Augusta Barba de Lencastre ou D. Emília Augusta Barba Alardo de Lencastre (Amparo), de quem teve D. António de Albuquerque do Alardo de Amaral Cardoso e Barba de Meneses e Lencastre ou D. António de Albuquerque do Amaral Cardoso de Vilhegas e Guzman Barba Alardo de Lencastre e Barros de Menezes Pina e Lemos.
[7] A antiga freguesia de Panascoso pertenceu ao concelho de Abrantes até 1895, quando foi anexada ao de Sardoal e passou para o concelho de Mação, em 1898. Passou a designar-se Penhascoso em 1941. Em 1928, por influência de João de Oliveira Casquilho, Ortiga foi desanexada de Panascoso tornando-se freguesia independente.
[8] CUSTÓDIO:920
[9] ROSENDO:6
[10] A fábrica foi fundada em 1860 pelo dito Agostinho Ferreira da Silva.
[11] Fundada em 1877 em Santa Iria da Azóia por João da Silva Ferrão Castelo Branco. Em 1892 funde-se com a Companhia de Moagem do Barreiro com a denominação de Nova Companhia de Moagem de Santa Iria (escritura de 27de agosto de 1892, lavrado nas notas do tabelião de Lisboa Cosmelli).
[12] Eram sócios capitalistas José Maria do Espírito Santo e Silva, com 100 contos e João de Oliveira Casquilho, com 50 contos de réis e sócios de indústria António Pereira dos Santos Beirão e José Norberto da Silva Pinto. A sociedade foi dissolvida em 16 março de 1889. Em 30 de dezembro de 1897, Espírito Santo e Silva voltou a reunir os parceiros da casa anterior, constituindo-se a sociedade Silva, Beirão, Pinto & Cia. João de Oliveira Casquilho abandona a sociedade em 1902 recebendo o seu capital e lucros. DAMAS:862
[13] A primeira mineração moderna ou industrial de cobre foi iniciada em 1853 por D. Antonio Domenech. Em 1888 [sic], as minas foram compradas pela Sociedade Portuguesa das Minas de Cala, a primeira empresa a operá-las de forma significativa e contínua. A empresa construiu uma fundição, mas teve pouco sucesso devido ao baixo teor do minério de cobre. Após descobrir que o minério de cobre estava apenas na superfície e, por baixo, havia minério de ferro, especificamente magnetita, a empresa faliu em 1893. https://www.andalucia.com/province/huelva/minas-de-cala/home.htm
[14] Esta companhia tinha por fim explorar a concessão feita pela Câmara Municipal de Lisboa para assentamento de vias-férreas para viação, nas condições constantes da escritura feita entre a mesma camara e os representantes do sindicato Sanches de Baena & sócios, e aprovada em sessão plenária da Câmara em 9 de fevereiro de 1888. Teve a mesma de fazer aquisição, por contrato especial com João de Oliveira Casquilho, a quem então pertencia, pelo preço de 100:000$00 réis.
[15] Constituída em 1889, tinha por objeto “exercer o comércio fabril de fiações e tecidos de algodões, lãs e sedas, tinturaria, estamparia e mais preparos respectivos a estas indústrias, tanto em matérias-primas de conta alheia como própria” e ainda manter a indústria de moagem nas azenhas de Figueiredo Barreto Perdigão (Estatutos, art.º 2), seu proprietário na Chiqueda. CUSTÓDIO (2021): 934
[16] João de Oliveira Casquilho. In De Tomar, Ano VI, n.º 255, 7 jan. 1934, p.1
[17] Escritura de 5 de junho de 1922, lavrada nas notas do tabelião de Tomar, Agnelo Tavares Casquilho, retificada pelo mesmo notário em 13 de dezembro.
[18] “Em 1 de Julho de 1901 a empresa Cardoso d’Argent inaugurou a primeira central eléctrica, construída no espaço de antigos lagares da Ordem de Cristo e destinada a fornecer electricidade às 100 lâmpadas de 16 velas na cidade de Tomar. Seguidamente foi vendida a Jean Bourdain e Cia., em 1909 a central deixou de funcionar devido a uma grande cheia. A iluminação da cidade voltou a fazer-se a petróleo.
Em 1910, foi vendida à sociedade Mendes Godinho, com o propósito de vir a alimentar também a moagem A Portuguesa. Em 1916, a empresa ampliou a central, que veio a receber novos equipamentos. Na década de 1950 a concessão terminou, ficando a central apenas a trabalhar para a referida sociedade e a cidade de Tomar passou a estar ligada ao fornecimento da barragem de Castelo de Bode.” In https://www.archeofactu.pt/pt/Comunicacao/Nucleo-Museologico-Central-Electrica-Tomar [consult. 03-10-2025]
[19] A escola teve várias fases e vários nomes: (I) Escola de Desenho Industrial / Escola Industrial (1884-1919); (II) Escola de Artes e Ofícios – Escola de Carpintaria e Serralharia de Carruagens (1919-1924); (III) Escola Industrial e Comercial de Jácome Ratton (1924-1948); (IV) Escola Industrial e Comercial de Tomar (1948-1979); e (V) Escola Secundária de Jácome Ratton (desde 1979).
[20] Nasceu em 11 dez. 1903, Azeitão ⚭ 26 jul. 1937, Lisboa. Era filho de Maria da Assunção Pietra Casquilho, n. 16 jun. 1870, Tomar e de Joaquim Pedro da Assunção Rasteiro, n. 16 dez. 1866, Azeitão † 04 abr. 1936, Lisboa, com quem casou a 31 jan.1894, Lisboa (Mercês). Licenciou-se em Direito e sucedeu ao avô materno na direção da fábrica de papel, foi também procurador à Câmara Corporativa em representação da indústria do papel na III e IV legislaturas. Foi-lhe concedida a honra de Comendador da Ordem de Mérito Empresarial, Classe Industrial em 26 de janeiro de 1950.
[21] O curso de Técnico Papeleiro foi introduzido na década de 60. No ano letivo de 1972-1973 lançou o curso de “Habilitação Complementar para os Institutos”, orientado para as especialidades: Contabilidade e Administração; Eletricidade e Máquinas; e Celulose e Papel.
[22] Relatório do conselho de administração, balanço e contas, relatório e parecer do conselho fiscal do exercício de 1982, publicado no Diário da República n.º 8/1983, Apêndice 2, Série III de 1983-11-01, pp.1245-1251