DIA MUNDIAL DO TEATRO: Uma sociedade teatral da segunda metade do século XVIII | Arquivo Distrital de Santarém
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1 de Março de 2025

DIA MUNDIAL DO TEATRO: Uma sociedade teatral da segunda metade do século XVIII

 

PT-ADSTR-NOT/02CNTNV-001-0139_f.85v

PT/ADSTR/NOT/02CNTNV/001/0139_f.86

PT/ADSTR/NOT/02CNTNV/001/0139_f.86v

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PT/ADSTR/NOT/02CNTNV/001/0139_f.87v

1786-03-15, Torres Novas

Contrato de sociedade que fizeram José dos Santos e mulher Hipólita Ambrozini e outros (Luigi Grazioli Eschisa, António Villa e mulher Caetana Villa, Maria Germana, João de Oliveira e Cunha e sua mulher Maria Rita, João dos Santos Leal, José Martins da Cruz, Joaquim Pereira Vilaça e irmã Maria do Carmo Casimira Marques da Silva) para fazerem digressões para representarem obras morais e instrutivas com cantorias e várias danças.

PT/ADSTR/NOT/02CNTNV/001/0139, Cartório Notarial de Torres Novas – 2.º Ofício, liv. 139, n.º ord.380. f.85v-87v

Veja a transcrição do documento

 

I. O Dia Mundial do Teatro

 

Assinalado, anualmente, a 27 de março, o Dia Mundial do Teatro é comemorado desde 1961, por iniciativa do Instituto Internacional do Teatro (ITI).

O Instituto Internacional do Teatro, em inglês International Theatre Institute (ITI), é uma organização dedicada às artes performativas, fundado em Praga, na República Checa, em 1948, por profissionais do teatro, da dança e a UNESCO, atualmente sedeado em Paris, França.

O ITI luta por uma sociedade na qual as artes performativas e seus artistas prosperem e floresçam, promove os objetivos da UNESCO de entendimento mútuo e paz e defende a proteção e promoção da expressão cultural, independentemente de idade, género, credo ou etnia. Com essa missão trabalha nas áreas de educação em artes performativas, intercâmbio e colaboração internacional e na formação de jovens.

Neste dia pretende-se destacar a importância do teatro na história e cultura da humanidade, através de vários eventos e iniciativas organizados por todo o mundo.

Uma das comemorações mais importantes deste dia é a circulação da Mensagem Internacional do Dia Mundial do Teatro, através da qual, a convite do ITI, uma figura de reconhecimento mundial partilha as suas reflexões sobre o tema do Teatro e da Cultura da Paz. Este ano, o autor da mensagem é o diretor de teatro aclamado internacionalmente, educador e autor grego Theodoros Terzopoulos.

Veja aqui a sua mensagem

Juntamos às comemorações deste dia divulgando um contrato de sociedade teatral da segunda metade do século XVIII “para fazerem digressões para representarem obras morais e instrutivas com cantorias e várias danças” que encontrámos no Cartório Notarial de Torres Novas – 2.º Ofício, uma breve análise do mesmo e a transcrição.

 

II Uma sociedade teatral da segunda metade do século XVIII

 

II.1 A Temporada

 

O contrato alvo de destaque é estabelecido por um ano a contar da Páscoa (16 de abril) à véspera do dia de Entrudo do ano seguinte já que as representações estavam proibidas no período quaresmal.

Foi feito em março, depois do Carnaval, fim de temporada e pausa até início da temporada seguinte. Era imperativo que se fizesse com urgência para garantir a composição da companhia antes da nova temporada.

José Pedro Louro de Sousa refere que podia haver ainda outra pausa a meio da temporada, no período do Verão, havendo referências à “primeira parte da temporada” e “segunda parte da temporada”, mas nada a respeito consta deste contrato. (Sousa 2018:79)

O contrato é feito em Torres Novas, provavelmente por ter sido o último local em que, em composição anterior, a companhia atuou.

 

II.2 Composição da Companhia

 

São mencionadas treze pessoas, embora uma, Francisco de Sousa, representado por Sebastião Barreto, seu procurador, por dúvidas, acabe por não assinar o contrato. É ainda testemunha do ato o criado de uma atriz.

Das pessoas mencionadas, cinco são mulheres, das quais, três casadas e uma irmã de elementos da companhia. Nada é referido quanto a eventuais funções teatrais desempenhadas por estas mulheres à exceção de Maria Germana.

Vários autores fazem referência à proibição das mulheres pisarem o palco no reinado de D. José I e D. Maria I citando vários testemunhos da época que comentam, nomeadamente, a ridícula figura dos homens representando papéis de mulher. As poucas exceções verificadas resultavam de licença especial.

O repertório do Teatro da Rua dos Condes, em Lisboa, apresentado em apêndice à tese de Licínia Rodrigues Ferreira[1], corrobora essas afirmações pois, das peças elencadas no período em causa, não constam atrizes e os papéis femininos estavam atribuídos a homens.

É, pois, bastante curiosa a contratação de uma atriz, Maria Germana, para mais não casada[2] e mais interessante ainda se mais algumas das mulheres referidas também representassem, como parece.

[…].

A década de 80 é mais um período complicado do teatro em Portugal. Às

proibições das mulheres e dos próprios atores vivos em palco (que são substituídos por

bonecos), fomentadas pela rainha D. Maria I, e ainda as novas e complexas

restruturações do processo censório, que levaram a um declínio da produção teatral

(Almeida, 2007, pp. 256-257), somam-se as interdições de apresentações teatrais

decorrentes do decreto de luto pela morte do príncipe D. Pedro III, ocorrida a 25 de

maio de 1786. (ROSA (2017):50-51)

O contrato não refere nacionalidades, mas atendendo aos nomes, duas pessoas seriam italianas Hipólita Ambrozini, mulher de José dos Santos e Luigi Grazioli Eschiza e provavelmente ainda uma terceira, António Villa.

 

II.3 Funções teatrais

 

Em relação às funções desempenhadas é referido que José dos Santos, autor da companhia, desempenhava também a função de primeiro galã, Maria Germana, a de primeira dama e lacaia, António Villa estava encarregado do vestuário e cenários e, com Luigi Grazioli Echiza, das danças. O ponto estava eleito, embora não se refira a quem tinha calhado a sorte. Não são mencionadas as funções dos outros elementos[3].

Cabia a José dos Santos, enquanto autor:

  • Obter a licença e casas;
  • Fazer as contas, a repartição das comédias e eleições destas;
  • Aprontar teatros e sua condução.

A António Villa tinha a seu cargo providenciar:

  • Todos os vestuários para as comédias, óperas e entremezes, danças e pantominas, “sem que seja preciso cada um deles outorgantes para os ditos fins servirem-se dos trapos de seu uso”[4];
  • O cenário.

A Luigi Grazioli Echiza cabia por si:

  • Garantir o capital para as despesas do teatro e jornadas.

… e com António Villa cabia-lhes:

  • “aprontarem e fazerem todas as danças que precisas forem tanto para as récitas da casa como para todos os benefícios que se fizerem durante todo o dito tempo”

Uma função, transversal aos vários elementos da companhia, era a da montagem e desmontagem do teatro.

A escritura não fornece dados suficientes para perceber o que entendem por teatro e sua montagem nem pormenores da “condução” do teatro e seus elementos. Trata-se de uma tenda ou barraca? Uma estrutura em madeira? Onde seria instalada? Em que outras terras estiveram antes e depois de Torres Novas? Como se transportavam?…

 

II.4 Pagamentos

 

Nome Função Benefícios Pagamento
José dos Santos 1.º galã, autor 1,5 1.ª parte
José dos Santos e Luís Grazioli Fazer as contas e repartição das comédias e eleições destas, teatros e sua condução; dar o dinheiro necessário para as despesas 1,5 3.ª parte
Maria Germana 1.ª dama, lacaia 1 à sorte + 1 à escolha 12$000 rs./mês
António Vila Fazer e cuidar do vestuário e cenário 1 2.ª parte
António Vila e Luís Grazioli Fazer danças (não refere (não refere pagamento específico)

 

II.5 Cláusula acessórias e sancionatórias

 

Em caso de doença de um dos outorgantes que o impedisse de trabalhar os outorgantes obrigavam-se a pagar o seu sustento e cura.

Se, por má conduta, algum fosse despedido e expulso, para evitarem maiores desordens e prejuízos “por ser todo o projeto deles outorgantes a boa paz e boa união”, nada lhe ficaria a pertencer dos lucros e nenhuma justificação seria admitida.

Se algum deles se retirasse, sem aviso, antes do fim da temporada teria de ressarcir a companhia em razão do prejuízo causado e pagaria à sua custa as despesas de transporte.

Nenhum poderia levar nem admitir pessoa alguma no teatro, sem que fosse sua obrigação, sob pena de pagar à sua custa o dobro do que importasse pagar.

 

BIBLIOGRAFIA

 

COSTA, Maria Emília dos Ramos – A vivência teatral entre 1771 e 1860: O que nos dizem as leis [em linha]. Lisboa: [s.n.], 2014. Tese de mestrado em Estudos Artísticos – Estudos de Teatro, FLUL/UL. [12 fev. 2025]. Disponível em WWW. < URL:https://repositorio.ulisboa.pt/bitstream/10451/20420/1/ulfl175332_tm.pdf>

FERREIRA, Licínia Rodrigues – O Teatro da Rua dos Condes: 1738-1882 [em linha]. Lisboa: [s.n.], 2019. Tese de doutoramento em Estudos de Teatro, FLUL/UL. [12 fev. 2025]. Disponível em WWW. < URL:https://repositorio.ulisboa.pt/handle/10451/41781>

MÜLLER, Christoph e NEUMAN, Martin – O teatro em Portugal nos séculos XVIII e XIX [em linha]. Lisboa: Ed. Colibri/Instituto Ibero-Americano (Berlim), 2015. 142 pp. [12 fev. 2025]. Disponível em WWW. <URL: https://publications.iai.spk-berlin.de/servlets/MCRFileNodeServlet/Document_derivate_00000214/Mueller_2015_Teatro_em_Portugal.pdf>

ROSA, Marta Brites – Indecências e obscenidades: As mulheres nos palcos portugueses entre 1774 e 1804 [em linha]. Sinais de Cena. Lisboa. N.º 22 (dez. 2014), pp.15-19. [12 fev. 2025]. Disponível em WWW. <URL: https://repositorio.ulisboa.pt/bitstream/10451/30066/1/sinais_de_cena_2014.pdf >

ROSA, Marta Brites – O paradoxo feminino no teatro português do século XVIII [em linha]. Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher. Lisboa. n.º 50 (dez. 2023).  pp.177-195. [12 fev. 2025]. Disponível em WWW. <URL: https://scielo.pt/pdf/eva/n50/0874-6885-eva-50-177.pdf>

ROSA, Marta Brites – António José de Paula: um percurso teatral por territórios setecentistas [em linha]. Lisboa: Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 2017. Tese de doutoramento em Estudos Artísticos – Estudos de Teatro, FLUL/UL. [12 fev. 2025]. Disponível em WWW. <URL:https://repositorio.ulisboa.pt/bitstream/10451/32033/1/ulfl242487_td.pdf>

SOUSA, José Pedro Louro de – A arte e o ofício do teatro em Portugal no séc. XVII [em linha]. Lisboa: [s.n.], 2018. Tese de doutoramento em Estudos Artísticos – Estudos de Teatro, FLUL/UL. [12 fev. 2025]. Disponível em WWW. <URL:https://repositorio.ulisboa.pt/bitstream/10451/34786/4/ulfl249017_td.pdf>

VASQUES, Eugénia – Espaços teatrais da Lisboa do Barroco aos séculos XVIII e XIX [em linha]. Amadora: Escola Superior de Teatro e Cinema,2009 (História do Teatro Português, n.º 1). [12 fev. 2025]. Disponível em WWW. <URL:https://repositorio.ipl.pt/bitstream/10400.21/3259/1/espacos_teatrais.pdf>

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[1] O Teatro da Rua dos Condes: 1738-1882.

[2] Desde 1597 que o Consejo de Castilla autorizava a participação de mulheres em cena se: casadas, integrassem a companhia onde trabalhava o seu marido e apenas vestissem de mulher (SOUSA (2018):82), costume que se deve ter mantido, considerando que as companhias espanholas exploraram os pátios de comédias portuguesas durante quase um século.

[3] A composição das companhias incluía outras categorias de galãs e de damas, graciosos, vejetes e barbas para além de músicos e outros com funções auxiliares (Cf. SOUSA (2018):81).

[4] No final da escritura é ressalvado que apenas faria três vestidos de mulher e todo o asseio e consertos nos ditos vestidos e todo o mais vestuário. Não se percebe se ele teria em reserva já outros vestidos se, eventualmente, os atores teriam mesmo de recorrer a “trapos de seu uso”.

Esta notícia foi publicada em 1 de Março de 2025 e foi arquivada em: Documento em Destaque.