A morte de Passos Manuel | Arquivo Distrital de Santarém
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17 de Janeiro de 2023

A morte de Passos Manuel

Passos Manuel, como ficou conhecido Manuel da Silva Passos, bacharel formado em Leis, advogado, deputado, ministro de estado e um dos vultos políticos mais proeminentes das primeiras cadas do liberalismo, nasceu a 5 de janeiro de 1805 em S. Martinho de Guifões, antigo concelho de Bouças, atualmente Matosinhos, no seio de uma família de pequenos proprietários rurais e faleceu 57 anos depois, a 18 do mesmo mês, em Santarém, na sua casa na Alcáçova, há 161 anos, rodeado da sua família e amigos.

Óbito de Manuel da Silva Passos PT-ADSTR-PRQ-PSTR12-003-0001_m0135 e m0136

Comemoramos hoje o seu óbito divulgando o memorial elaborado pela sua filha mais velha, Beatriz, viscondessa de Passos, sobre os seus últimos dias.

PT/ADSTR/PSS/APM, Cx. 9, Pasta 10, n.º78

[ca.1862-01-18, Santarém]

Descrição de Beatriz de Passos Manuel dos derradeiros momentos de seu pai, noite do dia 16 para 17 até à madrugada do dia 18.

Autógrafo.

Arquivo Distrital de Santarém, Arquivo Passos Manuel, Cx.9, Pasta 10 , n.º78

 

A Morte de Passos Manuel

A morte de Passos Manuel segue à risca o ritual católico modelo da morte oitocentista em Portugal:

Continuava-se a crer que tudo se podia decidir no momento da morte, quando o demónio travava o último combate para arrebatar a alma que se desprendia. A conformidade cristã era indispensável e, com o moribundo devidamente amparado, acreditava-se controlar a morte. Ora, isso só era possível com a colaboração ativa do agonizante que tinha de aceitar a vontade de Deus, preparar-se para ir ao seu encontro, confessando-se, recebendo a comunhão (o viático) e a extrema-unção, pedindo perdão àqueles a quem tinha ofendido, despedindo-se com solenes palavras finais. Isto é cumprindo o rito de separação e agregação a uma nova realidade.” (Lopes p.262)

Tal como esclarece Phillippe Ariès, citado por Kelly Tavares (p.132-133), a maioria destes rituais acontecia em ambiente doméstico com a presença dos familiares, serviçais, amigos íntimos, vizinhos e até desconhecidos que iam ao leito de morte assistir à despedida do moribundo e testemunhar o seu último suspiro.

O quarto conjugal da casa burguesa era o palco escolhido. O contrário seria morrer no hospital, “lugar de horrores”, espaço em que morriam os que não tinham família nem dinheiro, preconceito que associava “doença, miséria e crime”.

Beatriz Passos Manuel descreve com minúcia a agonia que antecedeu a morte de seu pai, a noite do dia 16, o dia 17 e a madrugada do dia 18 de janeiro de 1862.

Já há 4 noites que Passos Manuel passava muito mal quando no dia 17 é visitado pelo facultativo Melo. Na sua face leu a sua sentença de morte: “ O Papá disse então – “isto já são ansias da morte” e quiz todos ao pé de si.” O núcleo familiar era constituída pela esposa, D. Gervásia, as filhas Beatriz e Antónia, as mestras das filhas, Miss Clara e Miss Mackenrot, e os criados.

Confessa-se ao padre João Pereira e à noite, depois de uma forte dor de estômago, pediu os livros de Medicina. “Escondam esses livros é o Mello que ahi vem, eu não quero que ele ralhe comigo, este Medicos não podem vêr hum doente com um livro de Medicina na mão.”

Passos Manuel foi sempre muito doente e, segundo Yann Araújo (p.174), não era um “doente dócil”: “autodidata em medicina e farmácia, desrespeitava a autoridade dos seus clínicos no que ao tipo de medicamentos e às suas doses dizia respeito […]”. Fazia os seus próprios auto-diagnósticos e mantinha, no final da sua vida, uma disciplina de auto-observação, de inspiração homeopática. São disso nota as inúmeras cartas enviadas a sua mulher e filhas, conservadas no seu espólio, durante as suas estadias no Porto, Caldas da Rainha e Foz do Arelho, onde alternava termas e banhos de mar e em que refere ao pormenor os seus sintomas.

Envia saudações aos amigos e despede-se dos presentes, do Dr. Adriano de Abreu, do seu cunhado Jacinto de Sousa Falcão, irmão de D. Gervásia, e dos vizinhos D. Guadalupe e José de Sá.

Na noite de 18 recebe a Extrema Unção, mas não consegue comungar. Ainda consegue dormir 10 minutos, “Há muito tempo que Deus me não tinha enviado hum momento de descanço. e profere a sua última palavra – perdoai-me”.

 

Bibliografia

Kelly Chaves Tavares Sobre a Morte e o Morrer no Século XIX: Um Diálogo Historiográfico com a Modernidade. Complexitas – Rev. Fil. Tem. ISSN: 2525-4154. v. 4, n. 2 (jul./dec. 2019) p. 129-136

Magda Pinheiro – Passos Manuel: O patriota e o seu tempo. s.l.: Edições Afrontamento/ Câmara Municipal de Matosinhos, 1996 ISBN 972-36-0415-9

Maria Antónia Lopes – Agonia, morte, funeral e luto em Portugal no séc. XIX in Cuidados com o corpo e a alma na Luso-América dos séculos XVII a XIX. Mauro Dillmann e Fernando Ripe org. Rio de Janeiro: Paisagens Híbridas, Escola de Belas Artes/ UFRJ, 2019 p.257-183 ISBN 978-85-59970-17-0

Yann Loïc Araújo – Passos Manuel: Medicina, Homeopatia e Saúde Pública (Coleção Estudos, 59). Coimbra: Faculdade de Letras, 2006. ISBN 978-972-9038-89-1

Yann Loïc Araújo – Passos Manuel – Morte e Memória (Coleção Estudos, 47). Coimbra: Faculdade de Letras, 2004 ISBN 972-9038-69-4

Esta notícia foi publicada em 17 de Janeiro de 2023 e foi arquivada em: Documento em Destaque.