JOSÉ DA SILVA PASSOS (1800 – 1863) SUBSECRETÁRIO DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA FAZENDA E “PAI” DO CÓDIGO ADMINISTRATIVO DE 1838 | Arquivo Distrital de Santarém
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1 de Novembro de 2025

JOSÉ DA SILVA PASSOS (1800 – 1863) SUBSECRETÁRIO DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA FAZENDA E “PAI” DO CÓDIGO ADMINISTRATIVO DE 1838

PT/ADSTR/APC-JSP/B/001

1836, novembro, 7 e 8 – Paço das Necessidades (Lisboa)

Nomeação de José da Silva Passos para o lugar de Subsecretário de Estado dos Negócios da Fazenda e subinspetor do Tesouro Público Nacional.

PT/ADSTR/APC-JSP/B/001 – Portugal. Arquivo Distrital de Santarém. Arquivo Passos Canavarro-José da Silva Passos. Atividade Pública: Nomeações e Exonerações, Cx. 10; Pt. 1; n.º 2. [Em tratamento arquivístico].

 

Neste mês de novembro assinalamos a figura, menos conhecida, do irmão mais velho de Manuel da Silva Passos (Passos Manuel). José da Silva Passos, também conhecido por Passos José, foi um proeminente político português da esquerda liberal e aliado político de seu irmão, ambos figuras centrais do liberalismo português do séc. XIX.

Para tal, escolhemos um documento de novembro de 1836, conservado no ADSTR, relativo à sua nomeação para o lugar de Subsecretário de Estado dos Negócios da Fazenda e subinspetor do Tesouro Público Nacional. Este documento é constituído pelos seguintes documentos simples:

  • 1836-11-07 – Cópia do decreto de criação do lugar de Subsecretário de Estado dos Negócios da Fazenda e subinspetor do Tesouro Público Nacional;
  • 1836-11-07 – Cópia do decreto de nomeação de José da Silva Passos para Subsecretário de Estado dos Negócios da Fazenda, sem direito a vencimento;
  • 1836-11-08 – Portaria do Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda mandando remeter a José da Silva Passos cópias autênticas dos decretos de 7 de novembro de 1836 pelos quais se criou o lugar de Subsecretário de Estado dos Negócios da Fazenda, servindo ao mesmo tempo de subinspetor do Tesouro Público Nacional, e nomeando-o para essas funções.

 

1. JOSÉ DA SILVA PASSOS. ASCENDÊNCIA E VIDA FAMILIAR

José da Silva Passos

José da Silva Passos nasceu a 18 de novembro de 1802 em São Martinho de Guifões, concelho de Matosinhos, filho de Manuel da Silva Passos, lavrador e proprietário com interesses na Real Companhia de Vinhos do Alto Douro, e Antónia Maria da Silva. Foi batizado aos 25 dias do dito mês e ano na igreja matriz.

Os seus avós paternos eram José da Silva e Leocádia Maria da Silva, da freguesia de Aldoar. Os avós maternos foram José Álvares da Silva e Maria da Silva.

Por padrinhos teve, por procuração, José Álvares da Cruz Rios, negociante na Baía, conhecido anos depois pelo tráfico de escravos, e Maria Emília de Amorim, de Miragaia (Porto).

Foram ainda testemunhas o capitão Joaquim da Cunha Freire, de Ramalde, e João Domingos da Silva, de Guifões.

Casou a 29 de agosto de 1833, em Santo Ildefonso (Porto), na Capela da Quinta da Torre (Viela da Neta), já advogado de número na Relação e Casa do Porto, com Ana Margarida Soares, filha de João Pinto Soares e Ana Joaquina Barbosa Soares.

Foram testemunhas o Conselheiro Francisco Lourenço de Almeida e Francisco Rebelo Leitão Castelo Branco.

Do casamento nasceu o seu único filho, José, a 22 de outubro de 1834, sendo batizado a 31 do dito mês e ano na paróquia de S. Ildefonso (Porto).

Faleceu precocemente, com apenas 15 meses, a 5 de junho de 1836, de acordo com o óbito lavrado na supramencionada paróquia.

Ana Margarida Soares da Silva Passos

José da Silva Passos faleceu a 11 de novembro de 1863, pelas 11h, em sua casa, no n.º 22 da Viela da Neta, Porto (S. Ildefonso), sendo sepultado no cemitério da Lapa.

“Até que a loucura e a paralisia o vieram inutilizar nos últimos anos de vida, José Passos permaneceu fiel às suas origens ideológicas, servindo sempre a causa do «radicalismo» através das circunstâncias mais diversas e, tantas vezes adversas” (Bonifácio: 2006, p. 181.)

A viúva, Ana Margarida Soares da Silva Passos, foi relevante benfeitora da Misericórdia do Porto tendo doado, em 1867, 300.000 réis e, em testamento, as propriedades da Quinta da Torre e da praia de Massarelos, além de várias quantias monetárias destinadas à assistência. Faleceu a 2 de junho de 1869, sendo sepultada em mausoléu no cemitério do Prado do Repouso.

 

2. FORMAÇÃO E VIDA POLÍTICA

José da Silva Passos, assim como o irmão, Manuel da Silva Passos, matriculou-se em Leis e Cânones na Universidade de Coimbra a 31 de outubro de 1817, tendo concluído a formação em junho de 1822.

Em maio de 1823, incitados pela Revolução de 1820 e pela Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822 os irmãos Passos fundaram, dirigiram e redigiram cinco números de um jornal denominado O Amigo do Povo que circulou somente de 3 a 24 de maio de 1823, nas vésperas da Vilafrancada. Foi um dos jornais da oposição liberal surgidos para combater O Censor Lusitano, diário oficioso do Governo Liberal. (Sousa e Lima: 2021, p. 49).

O Amigo do Povo
Vol. 1, nº 1 Vol. 1, nº 2 Vol. 1, nº 3 Vol. 1, nº 4 Vol. 1, nº 5

Entre 1820 e 1823, Passos José aderiu à Maçonaria tomando o nome de Lamarque Guifoense. Aí chegaria, em 1848, a presidente do Supremo Capítulo das Províncias do Norte. Em 1822 era sócio da Sociedade Patriótica Portuense (Bonifácio: 2006, p. 182).

Perseguido pelo absolutismo de D. Miguel, expulso pela Junta Exprobatória da Universidade de Coimbra, exilou-se com o irmão, passando por Espanha, Inglaterra, Bélgica e França. Durante a proscrição, colaborou ativamente em publicações, também com o seu irmão, combatendo o governo absolutista e definindo a ala mais progressista do liberalismo.

Voltaria a Portugal em agosto de 1832 em pleno Cerco do Porto. Aí, José da Silva Passos alistou-se no Batalhão estacionado no Quartel de Santo Ovídio. Após o levantamento do cerco à cidade foi o primeiro presidente eleito da Câmara Municipal do Porto (1834/03/12 a 1834/06/17). Voltou ao mesmo ofício em 1846 (1846/06/03-1846/09/17). Foi ainda advogado na Relação e Casa do Porto.

Durante a sua atividade política foi eleito para várias legislaturas: 1834-36 (Círc. do Douro); 1837-38; 1838-40; 1857-58; 1858-59 (Círc. do Porto); 1851-52 (Círc. de Tomar, Santarém e Lisboa) (Bonifácio: 2006, p. 181-182).

Foi uma das figuras centrais da Revolução de Setembro (1836), que restaurou a Constituição de 1822. Enquanto deputado setembrista, foi autor e colaborador em diversos textos legislativos de que destacamos o Código Administrativo de 31 de dezembro de 1836, o primeiro do género em Portugal e uma obra fundamental para a organização concelhia moderna do País, e a Constituição Portuguesa de 1838.

Conforme documento que destacamos, ocupou, sem direito a vencimento e enquanto o seu irmão era ministro,  os cargos de Subsecretário de Estado dos Negócios da Fazenda e subinspetor do Tesouro Público. Acompanhou ainda Sá da Bandeira durante a Revolta dos Marechais (1837), a título de secretário para os assuntos financeiros.

Durante o período em que António Bernardo da Costa Cabral dominou a política portuguesa (1842-1846) José da Silva Passos foi espancado, arrastado pelas ruas do Porto e preso por duas vezes (Bonifácio: 2006, p. 183), reemergindo na vida política em 1846 na qualidade de presidente da Câmara Municipal do Porto.

Foi uma figura incontornável da Patuleia, promovendo a criação da Junta Governativa do Porto e sendo eleito vice-presidente com as pastas da Fazenda e dos Negócios Estrangeiros. Após a Convenção do Gramido (1847-06-29), que colocou fim à guerra da Patuleia, limitou a sua intervenção política a publicações no jornal portuense Eco Popular. Voltaria à política ativa no contexto da Regeneração (1851), mantendo-se no parlamento até 1859.

Foi ainda presidente da direção da Associação Industrial Portuense (1856-1858), diretor da Associação Agrícola do distrito do Porto e membro honorário da Sociedade das Belas-Artes de Lisboa (1837-01-05).

 

3. O CÓDIGO ADMINISTRATIVO DE 31 DE DEZEMBRO DE 1836

O Código Administrativo de 1836 foi a grande obra legislativa de José da Silva Passos e uma das principais contribuições para a vida pública. Enquanto deputado setembrista e membro da comissão, foi o principal autor do articulado e a sua aprovação representou um marco histórico na consolidação do Estado Liberal em Portugal, marcando o início da era das codificações administrativas.

No Arquivo Distrital de Santarém conserva-se a portaria manuscrita da 3.ª Repartição do Ministério do Reino, assinada por Manuel da Silva Passos, mandando que o bacharel José da Silva Passos proponha um projeto de Código Administrativo. Refere o documento:

 “Manda Sua Majestade a Rainha pela Secretaria d’Estado dos Negocios do Reino, que o Baxe Joze da Silva Passos tendo em contemplação a legislação existente, e os princípios da Constituição Política da Monarquia de 23 de Setembro de 1822, Lhe proponha sem perda de tempo um projecto de Codigo Administrativo; e Manda outro sim Sua Majestade declarar-lhe que ficão passadas as ordens necessarias aos Chefes das respectivas Repartições deste Ministerio, afim de ministrarem os esclarecimentos de que necessitar, para completar os trabalhos que lhe são encarregados. Palacio das Necessidades em 11 d’outubro de 1836

Manoel da Silva Passos

PT/ADSTR/APC-JSP/B/001 – Portugal. Arquivo Distrital de Santarém. Arquivo Passos Canavarro-José da Silva Passos. Atividade Pública: Nomeações e Exonerações, Cx. 10; Pt. 1; n.º 1. [Em tratamento arquivístico].

 

José da Silva Passos não se delongou e a 31 de dezembro do mesmo ano sai o decreto de aprovação da rainha, assinado pelo Secretário de Estado dos Negócios do Reino Manuel da Silva Passos, irmão do incumbido.

A este diploma antecederam outros que, de certa forma, o prepararam:

  • Decreto de 16 de maio de 1832 – Impulsionado por Mouzinho da Silveira, implementou importantes reformas administrativas, com a divisão do país em províncias, comarcas e concelhos;
  • Carta de Lei de 25 de abril de 1835 – proscreveu a província da divisão administrativa, instituiu o distrito em lugar da comarca e lançou a bases da reforma de 18 de julho de 1835;
  • Decreto de 18 de julho de 1835 – procedeu à divisão e organização administrativa provisória do reino com os regulamentos para a sua execução;
  • Decreto de 6 de novembro de 1836 – preparado por uma comissão nomeada por Portaria de 29 de setembro de 1836 e constituída por Marino Miguel Franzini (presidente), José da Silva Passos e José Joaquim Leal (secretário) procedeu à extinção de 498 concelhos em Portugal Continental dos 828 existentes, à criação de 21 novos, ficando a existir 351.

O Decreto de 31 de dezembro de 1836 consolidou a divisão do território, criando o modelo do moderno municipalismo e estabelecendo as bases da organização administrativa do Estado liberal: “Os Reinos de Portugal e Algarves, e Ilhas adjacentes são divididos em Districtos Administrativos. Os Districtos subdividem-se em Concelhos: os Concelhos compõem-se de uma, ou mais Freguezias”.

Composto por seis títulos e 256 artigos, o diploma regulou “a divisão administrativa, a organização e funcionamento dos corpos administrativos, a competências dos magistrados administrativos, o estatuto do pessoal da administração local e o contencioso, além de conter disposições gerais, penais e transitórias” (Caetano: 1963, p. 100).

Devido à instabilidade política da época, este código foi rapidamente revisto (Lei de 29 de outubro de 1840) e o seu espírito centralizador foi acentuado pelo Código Administrativo de 1842, já sob o Cartismo de Costa Cabral, que reduziu as autonomias locais.

Apesar das múltiplas revisões que se seguiram durante o período da monarquia (1842, 1867, 1870, 1878, 1886, 1895 e 1896), o Código de 1836 estabeleceu o paradigma da organização administrativa do Portugal Liberal.

Código Administrativo de 1836

 

Fontes:

 

Bibliografia: 

  • BONIFÁCIO, Maria de Fátima – Passos, José da Silva (1802-1863). In MÓNICA, Maria Filomena, coord. – Dicionário Biográfico Parlamentar 1834-1910. Vol. III (N-Z). Lisboa: ICS-UL; Assembleia da República, 2006, p. 181-183.
  • CABRAL, Luís, introd. – A Patuleia. Catálogo dos documentos manuscritos que pertenceram a José da Silva Passos e que foram oferecidos à Real Biblioteca Pública Municipal do Porto por D. Ana Luísa Rodrigues de Freitas. Edição facsimilada. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto, 1996.
  • CATEANO, Marcello – Manual de Direito Administrativo. 6.ª edição. Lisboa: Coimbra Editora, 1963.
  • MAIA, Maria de Fátima – A Administração Pública Portuguesa no século XIX: roteiro para um breve percurso. 2000. [Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra]. [Em linha]. [Consult. out. 2025]. Disponível na internet: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/92675/1/A%20ADMINISTRAÇÃO%20PÚBLICA%20PORTUGUESA%20NO%20SÉCULO%20XIX.pdf
  • MISERICÓRIA DO PORTO – Ana Margarida Soares da Silva Passos. [Em linha]. [Consult. out. 2025]. Disponível na internet: https://www.mmipo.pt/pt-pt/obras/ana-margarida-soares-da-silva-passos
  • PASSOS, Manuel da Silva; PASSOS; José da Silva – O Amigo do Povo. Coimbra: Typografia Nova, 1823. [Em linha]. [Consult. out. 2025]. Disponível na internet: https://am.uc.pt/journal/117254?_s=O+amigo+do+povo
  • SEIGNOT, Plancher – Almanak dos negociantes do Imperio do Brasil. Rio de Janeiro: em casa do editor, 1827, p. 210. [Em linha]. [Consult. out. 2025]. Disponível na internet: https://hemeroteca-pdf.bn.gov.br/828785/per828785_1827_00001.pdf
  • SILVA JÚNIOR, Carlos da – A Bahia e a costa da Mina no alvorecer da segunda escravidão (C. 1810-1831). Afro-Ásia. 65 (2022) 91-147. [Em linha]. [Consult. out. 2025]. Disponível na internet: https://www.redalyc.org/journal/770/77073701003/html/
  • SOUSA, Jorge Pedro; LIMA, Helena – Jornalismo do século XIX: da Monarquia à República, 49. [Em linha]. [Consult. out. 2025]. DOI: https://doi.org/10.34619/hyth-jc9h
  • TOMÁS, Ana; VALÉRIO, Nuno – O Decreto de 6 de novembro de 1836. Lisboa: UL-ISEG, 2019. [Em linha]. [Consult. out. 2025]. Disponível na internet: http://hdl.handle.net/10400.5/19156
Esta notícia foi publicada em 1 de Novembro de 2025 e foi arquivada em: Documento em Destaque, Geral.