JOÃO MARQUES DE CARVALHO (1848 – post.1914), “VALECAVALENSE” E AMPELÓGRAFO | Arquivo Distrital de Santarém
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1 de Setembro de 2025

JOÃO MARQUES DE CARVALHO (1848 – post.1914), “VALECAVALENSE” E AMPELÓGRAFO

PT-ADSTR-PRQ-PCHM01-002-0015

 

1872, agosto, 31 – Convento de Santo António, Pinheiro Grande (Chamusca)
Registo de casamento de João Marques de Carvalho e Elisa Rosa Corrêa da Motta Marques.
PT/ADSTR/PRQ/PCHM01/002/0015 – Portugal. Arquivo Distrital de Santarém. Paróquia de São Brás da Chamusca: Registo de Casamentos, liv. 15; f. 9v.-10v.

 

1. JOÃO MARQUES DE CARVALHO

(Fonseca, 2003: 107)

João Marques de Carvalho era filho do comendador António Marques de Carvalho e de Carolina Maria de Oliveira. O seu pai, presidente da Câmara Municipal da Chamusca por diversas ocasiões, construiu em 1862, após regresso do Brasil onde obteve fortuna, o palacete onde se encontra atualmente instalada a edilidade. O edifício foi vendido ao município por João Marques de Carvalho, na qualidade de procurador da madrasta, em 1888. Era ainda neto do notário chamusquense João Lourenço Justiniano Marques de Carvalho e bisneto de António Marques de Carvalho, bacharel em Direito.

Através do Sumário Matrimonial conservado no Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa (proc. 1872/126), onde João Marques de Carvalho e noiva solicitaram dispensa de proclamas por urgência no casamento devido a viagem de seu pai para o Brasil, sabemos ter nascido a 3 de maio de 1848, sendo batizado a 3 de dezembro na capela de Nossa Senhora da Nazaré de Santa Ana de Campinas (Grão-Pará, Brasil). No depoimento do justificante afirma que “veio da sua naturalidade, na idade de seis anos, na companhia de seu pae, para esta Capital, onde esteve estudando, e regressando à terra onde hoje mora; e que tanto aqui, como em Chamusca ou em outra qualquer parte não tem impedimento (…)”.

De acordo com Fonseca (2003: 106) “frequentou, entre diversos outros estabelecimentos de ensino, o Laboratório de Análise Química do Instituto Industrial de Lisboa”.

Conforme assegura o documento em destaque, casou aos 24 anos com Elisa Rosa Corrêa da Motta Marques, de 17 anos, nascida a 6 de janeiro e batizada a 29 de junho de 1855. Era filha de António da Motta Marques e Elisa Corrêa da Motta Marques, também natural e batizada no Grão-Pará, Brasil, no oratório particular de Bento José da Silva, em Santa Ana de Campinas. Moradora em Santos o Velho, “veio da terra da sua naturalidade na idade de cinco anos, em companhia de seus paes, indo depois para o Porto onde esteve até à idade de nove anos, vindo depois para esta Capital, onde se tem sempre conservado”.

Foram testemunhas do ato os pais dos noivos: António Marques de Carvalho e António da Motta Marques. O oficiante, P. Francisco Maria de Sousa do Prado de Lacerda, natural de Aljubarrota (1827-01-01), ordenado presbítero a 19 de novembro de 1854 e logo pároco colado na Chamusca em abril de 1855, viria a ser bispo coadjutor de Angra em 1886, com o título de Nilópolis, e titular entre 1889 e a data da sua morte, em 1891.

João Marques de Carvalho fixou residência em Vale de Cavalos, dedicando-se à agricultura, com especial enfoque na vitivinicultura e no estudo da Ampelografia, disciplina na qual redigiu vários trabalhos, uns inéditos, outros publicados, como é o caso da obra Estudos Ampeloficos. Lisboa: Imprensa Nacional, 1912. Escreveu ainda uma história da introdução das máquinas debulhadoras a vapor no concelho da Chamusca e colaborou em diversos jornas e revistas: Portugal Agrícola; Boletim da Real Associação Central da Agricultura Portuguesa; Revista Agrícola; O Chamusquense (secção agrícola) (Fonseca, 2003: 109).

Em 1894 apresentou um mapa ampelográfico do concelho da Chamusca no Congresso Vitivinícola de Lisboa e em 1898 recebeu a Comenda da Ordem do Mérito Agrícola Civil. Em 1900 arrecadou o grande diploma de honra da Sociedade dos Viticultores de França e de Ampelografia e, em 1901, granjeou a medalha de ouro, diploma de honra e cruz de mérito na Exposição Universal Internacional de Nice (Fonseca, 2003: 107-109).

Empenhado no desenvolvimento da vitivinicultura através da implementação de adegas cooperativas, criou ainda “uma escola nocturna para ensinar os trabalhadores a podar e enxertar as videiras pelos modernos processos” passando estes “a ser solicitados pelos diversos pontos do País” (Fonseca, 2003: 109-110).

Foi representante da Câmara Municipal da Chamusca, designadamente num tema cheio de atualidade: protesto à Real Associação de Agricultura Portuguesa sobre a entrada dos vinhos espanhóis em Portugal (Fonseca, 2003: 107).

Desempenhou ainda funções nos serviços ampelográficos do país, foi membro da Associação Francesa para o Desenvolvimento da Ciência, da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e da Real Associação Central da Agricultura Portuguesa. A 21 de maio de 1908 foi eleito sócio correspondente da Classe de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais, da Academia das Ciências de Lisboa.

A 15 de janeiro de 1883 Marques de Carvalho testemunha um ato notarial no estado de viúvo. Elisa, sua esposa, terá falecido entre setembro de 1880, data de atos de reconhecimento de senhorio, e 1882. Não localizámos o assento de óbito em Vale de Cavalos, Chamusca ou Santos-o-Velho. O casamento abrange, assim, menos de dez anos, não se conhecendo descendência ou segundas núpcias.

Em 1914, através de atos notariais em que foi seu procurador Manuel Pedro Martinho, sabemo-lo a residir em Castelo Branco, tendo por funções “ajudante de pecuária”. O mesmo Manuel Pedro Martinho comprou-lhe nesse ano a propriedade denominada “A Cerca” em Vale de Cavalos pelo preço de 1.325$00, com reserva de usufruto “da parte demarcada com casa e armazém e acessibilidades”, para liquidação de créditos hipotecários à Misericórdia da Chamusca e a Germano Augusto Ferreira, residente no Brasil.

A data e circunstâncias da morte continuam por apurar, apesar do esforço de identificar certezas documentais.

 

2. A AMPELOGRAFIA E OS ESTUDOS INÉDITOS DE JOÃO MARQUES DE CARVALHO

Ampelografia deriva etimologicamente do grego ampelos (vinha) e grafos (descrição). A ampelografia é, assim, a ciência que se dedica à identificação, descrição e classificação das castas (variedades) de videira, especificamente da Vitis vinifera, espécie mais comum na produção de vinhos.

A diferenciação de castas baseia-se nas características morfológicas da videira e envolve a observação detalhada de folhas (forma, tamanho, n.º de lóbulos, tipo de dentes na margem e a estrutura do espaço onde o talo se une à folha); da cor, forma e pilosidade dos sarmentos (rebentos) e gavinhas; dos cachos de uvas (tamanho, forma, compacidade); dos bagos (cor da película, tamanho, forma e espessura da pele) e das características lenhosas do tronco e dos ramos.

Se recordarmos o flagelo da filoxera que assolou Portugal no último quartel do século XIX, causando grandes prejuízos num país fortemente agrícola e dependente da produção vinícola, entendemos a importância de Marques de Carvalho no panorama vitivinícola nacional, em geral, e no da Estremadura e Ribatejo, em particular, pois representava 17% da produção nacional. Como afirma Conceição Martins (1991: 653-654) a filoxera

destruiu por completo as vinhas de muitas regiões (…) agravou consideravelmente os custos de produção do vinho (…) arruinou viticultores, incrementou a emigração e provocou o despovoamento de muitas freguesias. Despoletou crises locais (…). Afectou as finanças públicas e a balança comercial (…). Era considerado «o mais ignóbil insecto» ou «o terrível afídeo»”.

Podemos assim considerar que, em Portugal, a ampelografia se iniciou com a instalação de coleções ampelográficas (ou de videiras) no final do século XIX, em resposta à destruição do vinhedo europeu pela filoxera. Identificam-se, no entanto, estudos anteriores de descrição varietal, de que destacamos, em 1532 – Rui Fernandes – Descrição do Terreno duas Léguas em Roda da Cidade de Lamego; 1712 – Vincenzo Alarte – Agricultura das Vinhas; 1787‑90 – Academia das Ciências de Lisboa – Memórias da Agricultura; 1875 – Visconde de Villa Maior – Manual da viticultura prática; 1900 – Cincinato da Costa – O Portugal Vinícola.

Entre 1901 e 1910 Pierre Viala e Victor Vermorel editaram Ampélographie: traité général de viticulture. Com a colaboração de João Marques de Carvalho, entre outros, os autores apresentaram 5200 variedades de nível internacional com 500 desenhos. Foi o auge qualitativo em trabalhos sobre a viticultura e em que os estudos de Marques de Carvalho contribuíram para uma das mais importantes obras ampelográficas na transição do século.

A Academia das Ciências de Lisboa conserva duas obras manuscritas do biografado, a saber:

Estudo Ampelographico do Concelho da Chamusca… (1906) Estudos Ampelographicos: Monographias (1910)

Em Estudo Ampelographico do Concelho da Chamusca dedicado a Sua Magestade El Rei o Senhor D. Carlos I (1906), João Marques de Carvalho apresenta-se como

“Comendador da Ordem do Mérito Agrícola, laureado com o Grande Diploma d’Honra da Sociedade dos Viticultores de França e de Ampelografia, sócio da Associação Francesa para o desenvolvimento da Ciência e da Real Associação Central de Agricultura Portuguesa, colaborador de várias publicações agrícolas nacionais e estrangeiras, proprietário e viticultor”.

Tomando por base o trabalho apresentado ao Congresso de Viticultura realizado em Paris entre 13 e 17 de junho de 1900, o autor desenvolve o estudo das cepas portuguesas da região da Chamusca, constituindo-se uma monografia de ampelografia local com a finalidade de “tornar conhecidas as castas de videiras cultivadas no país e precisar a sinonímia sempre confusa e multíplice”.

Em Estudos Ampelographicos: Monographias, apresentado à Academia das Ciências em 1910, Marques de Carvalho, “colaborador da Ampelographia dos srs P. Vaila e V. Vermorel”, estuda oito variedades importadas da ilha da Madeira (Malvasia Candida; Malvasia Roxa; Malvasião; Sercial; Verdelho; Tinta), do Alentejo (Aragoneza) e de Málaga (Moscatel de Malaga).

 

3.  RASTOS DOCUMENTAIS DE JOÃO MARQUES DE CARVALHO NO ADSTR

Além do assento de casamento que destacamos, identificámos dados sobre João Marques de Carvalho em atos notariais lavrados nas notas para escrituras diversas dos cartórios notariais da Chamusca, mormente no 5.º ofício.

Numa pesquisa que se balizou entre 1854 e 1936 identificámos 40 atos notariais de que destacamos:

Data

Ato Notarial

Cód. Referência (U.I.)

Fólios

1872-09-07 Escritura de venda que fizeram D. Rita Augusta Pedro Gameiro e sua tia, D. Maria Augusta Freire, a João Marques de Carvalho de propriedade na Sermorrinha (Vale da Raposa) pela quantia de 400.000 réis. PT/ADSTR/NOT/03CNCHM01/001/0031 19v.-20v.
1876-11-03 Escritura de permuta entre João Marques de Carvalho e esposa, Elisa Motta Marques de Carvalho, e Maria Rosário Dias, das três terras de semeadura e vinha em Pedreiras do Meio por propriedade na Rua de Paio de Pele (Chamusca). PT/ADSTR/NOT/05CNCHM01/001/0002 47-48v.
1878-06-07 Escritura de venda que fizeram Lourenço Sousa Girão, procurador de seus cunhados e esposa, Maria Augusta Ferreira, a João Marques de Carvalho de propriedade na Rua Direita de São Pedro (Chamusca) com casas de habitação, vinha e árvores de fruto, pela quantia de 200.000 réis. PT/ADSTR/NOT/05CNCHM01/001/0006 32v.-33
1886-03-14 Escritura de partilha amigável, descrição de propriedades, sociedade e obrigação por falecimento de António Marques de Carvalho. João Marques de Carvalho recebeu, entre outros, 3/16 avos da Quinta do Cabido, em Vale de Cavalos. PT/ADSTR/NOT/05CNCHM01/001/0037 15v.-21v.
1888-07-05 Escritura de venda que fizeram os herdeiros de António Marques de Carvalho, representados por João Marques de Carvalho, à Câmara Municipal da Chamusca, do prédio construído pelo autor da herança, pela quantia de 12$000.000 réis e obrigação de pagamento das hipotecas. PT/ADSTR/NOT/05CNCHM01/001/0048 20v.-23v.
1914-07-04 Escritura de venda que fizeram João Marques de Carvalho, representado por António Marques Carvalho Pedroso, a Manuel Pedro Martinho, do prédio denominado “A Cerca”, pela quantia de 1.325$00 destinada à liquidação de encargos hipotecários à Santa Casa da Misericórdia da Chamusca (325$00) e a Germano Augusto Ferreira (1000$00) e com reserva de usufruto de parte demarcada com casa e armazém e acessibilidades. PT/ADSTR/NOT/05CNCHM01/001/0176 18-22v.

 

Fontes:

 

Bibliografia:

  • FONSECA, João José Samouco da – História da Chamusca. III. Chamusca: A Persistente, 2003.
  • MARTINS, Conceição Andrade – A filoxera na viticultura nacional. Análise Social. 112-113 (1991) 653–688. [Em linha]. [Consult. agost. 2025]. Disponível na internet: https://revistas.rcaap.pt/analisesocial/article/view/41153/28263

 

Esta notícia foi publicada em 1 de Setembro de 2025 e foi arquivada em: Documento em Destaque.