1 de Julho de 2025
INDÚSTRIAS E INDUSTRIAIS – 12. As Fábricas da Quinta dos Olhos de Água, Louriceira
Em 1760, Francisco Xavier da Cunha requeria à Junta do Comércio isenção de direitos para uma fábrica que erigiu ou renovou, na Quinta dos Olhos de Água, de curtimento de couros e peles.[1]
Em 1790, António Joaquim de Araújo Soares, comerciante da Praça de Lisboa, proprietário da fábrica de curtumes de sola, atanados, cordovões, situada nos Olhos de Água, termo de Alcanede, pede à Rainha para lhe conceder provisão de licença para poder continuar a laborar debaixo da Proteção Real com os privilégios, por esta estar “erecta há mais de 50 anos”.
A quinta[2], descrita por Araújo Soares em 1803, compunha-se de duas propriedades de casas nobres, lagares de azeite, moinhos, olivais, terras de pão, matos e muitas inumeráveis oficinas, aonde tinha duas importantes fábricas, uma de curtumes de todas as qualidades e outra de serralharia. Constava ainda de uma boa horta, grande pomar de espinho, caroço e pevide; grandes vinhas, “que seguramente terão de 150 a 200 milheiros de bagalho; infinitos olivais, capazes de produzir 40 pipas de azeite; muitas terras de pão, bem situadas e regadas pelo rio as quais produzem duas novidades; um grande pinhal manso e alguns matos com sobreiros; grande abundância de gado vacum e miúdo”.
Nem uma nem outra fábrica constam da Relação da Fábricas de 1788 senão a fábrica de verrumas instalada em 1778, em Pernes, por Pedro Schiappa Pietra que beneficiava igualmente da força motriz das águas do rio Alviela e das quais distava apenas 5 km.
Em 1803, o referido proprietário propunha-se ainda, a fazer ali mesmo uma copiosa plantação e criação de amoreiras e bichos-da-seda. Para tal, pediu à Junta do Comércio um empréstimo de 16 contos de réis, que, não obstante as boas referências do corregedor da comarca, lhe foi negado.
Segundo ele, a fábrica de curtumes de Olhos de Água terá sido a segunda fábrica do género a estabelecer-se em Portugal.
Possuía 12 tanques de madeira e cantaria, grandes enxugues e um engenho de água de moer a casca. Passava pelo meio da fábrica uma vala de água que vinha diretamente da nascente do rio Alviela da qual distava apenas 60 passos, com a qual trabalhava a fábrica, sem que para isso fosse precisa a força de homens ou animais e só uma roda movida pela água a qual lhe chamam tarambola.[3]
António Joaquim de Araújo Soares morre na sua Quinta de Olhos de Água a 12 de abril de 1810 seguindo-se na administração da quinta e fábricas anexas seu irmão Francisco de Paula.
Em 1813, o corregedor da comarca de Santarém, em resposta à Provisão de 6 de fevereiro reporta que quer a fábrica de verrumas quer a de curtumes, estavam destruídas em consequência da passagem das tropas francesas.

PT-TT-IFF-001-0107-00006_m0135 – Assinatura de Francisco de Paula de Araújo Soares constante do processo de inventário de seu irmão António Joaquim de Araújo Soares.
Após as invasões francesas a aposta dos Araújo Soares parece ter recaído na reabilitação da fábrica de verrumas.
Em 1822, o Diário do Governo publica a Memória sobre o augmento da Industria Portugueza: meios de occupar aquella parte da Nação que se acha sem emprego, provavelmente de José Acúrsio das Neves, nomeado em 1810 deputado da Junta do Comércio. Nela, de forma muito otimista, se dão as fábricas de verrumas de Olhos de Água e de Pernes como exemplo de como a indústria portuguesa podia ser concorrencial à estrangeira:
“…As Fabricas de Verrumas de Olhos de Agua, e de Pernes já fizerão cessar a importação das Estrangeiras, pela melhor qualidade, e menores preços.”
Os negócios da Quinta de Olhos de Água parecem tomar novo rumo sob a administração de D. Matildes Rosa Alves[4], enteada e herdeira de Francisco de Paula. Em 1835 solicita novo título ao Ministério do Reino para continuar a laborar a Fábrica de Verrumas e Serralharia[5] e arrenda “o terreno da sua fábrica de sola […] com todas as suas pertenças […] pelo tempo de oito anos” a António Manuel Teixeira, residente em Santarém.
Destacamos o documento que testemunha o arrendamento.
Passados mais de vinte anos a fábrica de curtumes continuava em ruínas e este pode ter sido um esforço derradeiro já que não encontramos renovação do arrendamento.
Matildes morre em 1858 passando a quinta a Ernesto António Ribeiro Henriques do Avelar que, por sua vez, a passa aos seus herdeiros e do grande lavrador Paulino da Cunha e Silva.
Fontes manuscritas
PT-TT-IFF-001-0107-00006_m0135 – Torre do Tombo, Inventários post mortem dos Feitos Findos, Mç.107, proc. 6, Processo de inventário de António Joaquim de Araújo Soares.
PT/ADSTR/NOT/04CNSTR14/001/0014 – Cartório Notarial de Pernes – 4.º Ofício, Notas do tabelião João José Maldonado, liv. 14 (n.º ord.87), f. 1v. a 2 (parte)1835-08-14/ 1836-07-30
PT/ADSTR/NOT/04CNSTR14/001/0016 – Cartório Notarial de Pernes – 4.º Ofício, Notas do tabelião, João Ferreira Calado, liv.16 (n.º ord.91), f.36-36v.(parte)
Fontes impressas
Diário do Governo, n.º 112, de 14 de maio de 1822, pp.792-796 [27 jun. 2025] Disponível em WWW.<URL:https://books.google.pt/books?hl=pt-PT&id=PQ4wAAAAYAAJ&q=112#v=snippet&q=112&f=false>
Bibliografia
DIAS, Luís Fernando de Carvalho – A Relação das fábricas de 1788 [em linha]. Boletim de Ciências Económicas . Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra . vol.III: 3 (Setembro-Dezembro 1954) . [30 ago. 2022] Disponível em WWW.<URL:http://hdl.handle.net/10316.2/25985>
FEITOR, Gabriel de Oliveira – São Pedro d’Alcanena – Estudos e Documentos da Antiga Freguesia. Alcanena: Edição do autor, 2015
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[1] AHMOP, Junta do Comércio, bob. 17, imagem 377 e 378, citado por FEITOR:191.
[2] A quinta devia pertencer à Capela de Gonçalo Vaz Barriga instituída em 1572, na Igreja do Convento de São Francisco da cidade de Lisboa de que foram administradores Tomás de Aquino Coutinho Barriga Silveira Castro da Câmara sucedido por seu filho José Coutinho Barriga da Silveira Castro da Câmara.
[3] Citado por FEITOR:197-198
[4] Matildes Rosa Alves, n. [1791], S. Julião do Tojal, filha do capitão João Alves e de Francisca Maria do Carmo (casou em segundas núpcias com Francisco de Paula Araújo Soares) x 1837 jun. 14, Quinta dos Olhos de Água, Louriceira com Faustino Alves de Sá Mourão (+ 1841 dez. 28, Quinta dos Olhos de Água) + 1858 nov. 25 – Quinta do Alviela, Louriceira, no estado de viúva.
Por escritura de 30 de dezembro de 1838, nas notas do tabelião de Pernes, João Ferreira Calado D. Matildes fez doação post mortem e nomeação de prazo a seu marido Faustino Alves de Sá Mourão.
[5] PT/AHMOP/MR-001/59/52 – [1835], Matilde Rosa Alves, Fábrica de Verrumas e Serralharia de Olhos d’Água [pedido de concessão de título para continuar a laborar a sua fábrica]