1 de Abril de 2025
I Grande Guerra – Transcrições de óbitos do Registo Civil do 1.º Corpo Expedicionário Português (CEP)
1917-07-30 – 1918-12-20, Santarém
Transcrições de registos de óbitos do Primeiro Corpo Expedicionário Português e óbito de José do Espírito Santo, natural da Moçarria, Santarém, filho de Maria Narcisa (a.º 23/1917).
PT/ADSTR/ACD/CRCSTR/005/0007 – Portugal, Arquivo Distrital de Santarém. Conservatória do Registo Civil de Santarém: Registo de Transcrições, liv. 7.
PT/ADSTR/ACD/CRCSTR/005/0008 – Portugal, Arquivo Distrital de Santarém. Conservatória do Registo Civil de Santarém: Registo de Transcrições, liv. 8.
I. PORQUÊ A GUERRA? O 1.º CORPO EXPEDICIONÁRIO PORTUGUÊS (CEP) E A BATALHA DE LA LYS
No atual contexto geopolítico mundial, marcado por uma complexidade crescente, onde diversas dinâmicas e tensões se entrelaçam, moldando o cenário internacional…
… Neste momento da história, em que alianças tradicionais se mutam e no qual a Europa procura encontrar o seu lugar num mundo multipolar, enfrentando desafios como a guerra, a segurança energética e a gestão das migrações, procurando reforçar a sua autonomia estratégica e a sua capacidade de ação no cenário internacional…
… Neste mês de abril em que se evocam os 107 anos da cruel batalha de La Lys (7-29 de abril de 1918), na qual se perderam centenas de vidas de soldados portugueses, enquanto milhares foram feridos ou aprisionados …
… Porque os despojos humanos das guerras são jovens, têm rostos, nomes e famílias, o Arquivo Distrital de Santarém escolheu para “Documento em Destaque” deste mês de abril o registo de transcrições dos assentos de óbitos de soldados portugueses do CEP, constantes dos livros de registos de transcrições da Conservatória do Registo Civil de Santarém.
O CEP, organizado sob o comando do general Tamagnini de Abreu e Silva, foi a principal força militar portuguesa que participou na I Guerra Mundial, frente europeia, sendo enviado para a Flandres a partir de janeiro de 1917. A Batalha de La Lys foi o episódio mais relevante da participação portuguesa no conflito, marcando a história militar de Portugal. Durante a ofensiva alemã “Georgette” as tropas portuguesas, enfraquecidas e a aguardar rendição, sofreram pesada derrota, com centenas de mortos e feridos e milhares de prisioneiros. O acontecimento viria a resultar na retirada das forças portuguesas da frente de combate.
II. UM ENTRE DEMASIADOS: JOSÉ DO ESPÍRITO SANTO (1897-1917)
Durante a participação de Portugal na I Guerra Mundial, as baixas ocorridas não se deveram apenas a situação de ferimentos em combate. As trincheiras da Flandres tornaram-se um ambiente propício para a proliferação de doenças. Pé e febre das trincheiras, tifo, disenteria e pneumonia eram patologias comuns, consequência de uma vida nas trincheiras marcada pela humidade, pelo frio, pela falta de higiene e pela proximidade entre os soldados.
José do Espírito Santo, um dos falecidos do distrito de Santarém que se encontra nos registos de que dispomos no ADSTR, morreu de tuberculose pulmonar a 26 de maio de 1917.
De acordo com o assento de batismo, conservado no livro de registos de batismos de 1897 da paróquia de Abitureiras (PT/ADSTR/PRQ/PSTR01/001/00056_m0068), “tinha sido baptizado em casa por perigo de vida por Maria dos Santos, casada, dona de casa”.
Nasceu na freguesia do Salvador, Santarém, às 19h do dia 20 de março. O assento de batismo, feito a posteriori na paroquial de Nossa Senhora da Conceição das Abitureiras, data de 21 de junho. Era filho natural de Maria Narcisa, solteira, natural e moradora na Moçarria. Foram seus avós João Fragoso e Narcisa da Piedade. Teve por padrinhos José Maria da Silva, viúvo, proprietário, e Ana de Jesus, casada, doméstica.
Sobre o seu pai nada é referido, nem sequer no boletim individual de militar preenchido em 1917.
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José do Espírito Santo, 1.º cabo da 1.ª Brigada de Infantaria, Regimento de Infantaria n.º 34, com placa de identidade n.º 10396, embarcou em Lisboa a 19 de janeiro de 1917, com destino a França.
De acordo com o seu Boletim Individual de Militar do CEP, a 21 de fevereiro do mesmo ano foi internado no hospital inglês n.º 26, onde viria a falecer de “Tuberculose Pulmonar”. Tinha 20 anos.
Foi sepultado provisoriamente no cemitério militar de Étaples, Coval n.º S-121, sendo mais tarde trasladado para o cemitério de Richebourg l`Avoué, Talhão C, Fila 21, Coval 4.
III. REGISTOS DE ÓBITOS DO CEP CONSERVADOS NO ADSTR
Nos dois livros que destacamos são transcritos os óbitos de 52 militares, no período entre 6 de fevereiro de 1917 e 27 de junho de 1918. Foram eles:
Nome | Naturalidade | Estado Civil | Óbito |
Augusto Ribeiro Pais Torres | Mangualde | Solteiro | 1917-02-06 |
João Simões | Aguda, Figueiró dos Vinhos | Solteiro | 1917-03-17 |
José Pinto | Ferreira de Aves, Sátão | Solteiro | 1917-04-20 |
Fernando dos Santos | Constância | Solteiro | 1917-05-24 |
José do Espírito Santo | Moçarria, Santarém | Solteiro | 1917-05-26 |
Augusto Gouveia | Alhais de Cima, Vila Nova de Paiva | Casado (Maria dos Santos) | 1917-06-12 |
José Madeira | Alhais de Baixo, Vila Nova de Paiva | Solteiro | 1917-06-12 |
António dos Santos Loureiro | Alcafache, Mangualde | Solteiro | 1917-06-12 |
Francisco Marques Rodrigues | Pinheiro Grande, Chamusca | Solteiro | 1917-06-13 |
Luís Lopes de Almeida | Silvã de Cima, Sátão | Solteiro | 1917-06-13 |
António Pires Barqueiro Júnior | São Miguel do Rio Torto, Abrantes | Solteiro | 1917-06-13 |
Augusto da Silva | Montargil, Ponte de Sor | Solteiro | 1917-06-13 |
João Simões | Maçãs de Dona Maria, Alvaiázere | Solteiro | 1917-06-16 |
Joaquim da Silva Sobreira | Cardigos, Mação | [Solteiro] | 1917-07-01 |
João Mendes | Souto, Abrantes | Solteiro | 1917-07-03 |
Manuel Adelino | Casal Cimeiro, Vila de Rei | Solteiro | 1917-07-03 |
José Colaço Beirante | Romeira, Santarém | Solteiro | 1917-07-04 |
Joaquim Fernandes | Sezures, Penalva do Castelo | Solteiro | 1917-07-08 |
Gabriel Paulo | São Vicente de Abrantes, Abrantes | Solteiro | 1917-07-12 |
José Caetano | Vale Pomar, Évora de Alcobaça, Alcobaça | Solteiro | 1917-07-29 |
Agostinho Martins | Ferreira de Aves, Sátão | Casado (Clementina de Jesus) | 1917-08-02 |
Júlio da Silva Conde | Pombalinho, Golegã | Casado (Lucinda Laura Souto Conde) | 1917-08-12 |
António Lopes | Pinhal Verde, Leiria | Solteiro | 1917-08-16 |
Francisco da Silva | Pisão, Vila de Rei | Solteiro | 1917-08-21 |
Manuel António Fernandes | Bemposta, Abrantes | Casado (Ana Maria) | 1917-08-22 |
José Maria Pimenta | Paços da Serra, Gouveia | Solteiro | 1917-08-27 |
João de Figueiredo | Canas de Senhorim, Nelas | Casado (Albertina de Jesus) | 1917-09-19 |
Manuel de Loureiro | Espinho | Casado (Miquelina de Jesus) | 1917-09-20 |
Joaquim da Silva | Amêndoa, Mação | Solteiro | 1917-12-11 |
Manuel Dias Grande | Queixoperra, Penhascoso, Mação | Solteiro | 1918-01-07 |
José Vicente Martins | Cabanas de Torres, Alenquer | Solteiro | 1918-02-06 |
José Monteiro Júnior | Várzea, Santarém | Casado (Cecília da Piedade) | 1918-03-02 |
Miguel José Ramos | Santa Maria, Estremoz | Solteiro | 1918-03-02 |
António Barbosa Júnior | Atalaia, Vila Nova da Barquinha | Solteiro | 1918-03-03 |
Diogo Marques | Tojal, Alenquer | Casado (Gertrudes da Conceição) | 1918-03-08 |
António da Silva | Carregueira, Mação | Solteiro | 1918-03-10 |
Simão Garcia Melro | Cabeção, Mora | Solteiro | 1918-03-10 |
José Miguel | Mesquita, Silves | Solteiro | 1918-03-12 |
Manuel Louro | Penafirme da Mata, Olhalvo, Alenquer | Solteiro | 1918-03-12 |
Artur da Fonseca | Vila Verde dos Francos, Alenquer | Solteiro | 1918-03-13 |
António Antunes | Amêndoa, Mação | Solteiro | 1918-03-13 |
António João Pelado | Santa Maria, Estremoz | Solteiro | 1918-03-13 |
Joaquim Louro | Abrã, Santarém | Solteiro | 1918-03-15 |
Venâncio Esteves | Venda Nova, Sardoal | Solteiro | 1918-03-18 |
Brás Bento de Almeida | Vale de Figueira, Santarém | Solteiro | 1918-03-24 |
Tiago António Josué | Bicas, São Miguel do Rio Torto, Abrantes | Solteiro | 1918-03-28 |
Bráulio Pires | Assento, Fervença, Celorico de Bastos | Solteiro | 1918-04-09 |
Manuel Henriques | Olhalvo, Alenquer | Solteiro | 1918-05-08 |
Francisco Calhau | Santa Justa, Arraiolos | Solteiro | 1918-05-10 |
José Correia | Bordeira, Aljezur | Solteiro | 1918-06-15 |
Manuel de Carvalho | Vila Verde dos Francos, Alenquer | Casado (Carlota dos Prazeres) | 1918-06-19 |
Rodolfo Paletti | São Sebastião, Lagos | Solteiro | 1918-06-27 |
IV. OS REGISTOS DE TRANSCRIÇÕES NO CÓDIGO DO REGISTO CIVIL
O Código do Registo Civil de Portugal foi aprovado em 18 de fevereiro de 1911, e entrou em vigor com o decreto publicado no Diário do Governo n.º 41, de 20 de fevereiro de 1911. Este decreto estabeleceu a obrigatoriedade do registo civil para todos os cidadãos portugueses. No capítulo IV, dedicado aos livros de registo que deveria haver em cada repartição do registo civil, apenas são enumerados os de nascimentos, casamentos, óbitos e reconhecimentos e legitimação dos filhos. Não estão previstos livros de transcrições, embora nas competências dos conservadores e oficiais do registo civil surjam disposições relativas à necessária transcrição dos registos, designadamente de óbitos de militares portugueses. Assim, o art.º 38.º estipula que “O conservador geral do registo civil inscreverá ou transcreverá obrigatoriamente, ou a pedido dos interessados, nos respectivos livros, os registos relativos aos seguintes factos: (…) 8.º Os obitos de militares portugueses, ocorridos em campanha no estrangeiro, quando não seja conhecido o domicílio anterior do falecido”. Também o art.º 39.º determina que “a verificação do ultimo domicilio das partes determinará a transcrição obrigatória dos respectivos registos nos livros da circunscrição competente, cancelando-se os da Conservatoria Geral”. No art.º 40.º, § 10, referente aos registos a cargo dos conservadores do registo civil e seus ajudantes é determinado que se fará inscrição ou transcrição dos “obitos de militares portugueses ocorridos no estrangeiro em campanha, desde que o facto se verifique por forma indubitável e eles tenham domicilio conhecido na Republica Portuguesa”.
Não obstante a alteração ao Código do Registo Civil a 10 de julho de 1912 prever, no art.º 47.º que “os conservadores (…) poderão ter (…) outros livros destinados à transcrição de certidões”, a primeira referência específica a livros de transcrições surge apenas no Código do Registo Civil publicado no Diário do Governo n.º 299, de 22 de dezembro de 1932. O leque de livros de registo civil é amplamente alargado e são previstos livros de transcrições para cada espécie de registo, além de extratos destas mesmas transcrições (art.º 159.º). A secção VIII (art. 376.º-379.º) do citado diploma debruça-se sobre a tipologia documental que nos ocupa, referindo, para os efeitos que nos interessam, no art.º 378.º, § 2.º que “Serão obrigatoriamente transcritos nos respectivos livros (…) os assentos avulsos ou cópias dos actos de (…) óbito, feitos em campanha perante empregados militares para isso autorizados e transmitidos por estes”. Decorre da interpretação do art.º 376.º que tal transcrição deveria ser feita nos livros da repartição do domicílio dos interessados.
Resulta daqui que a existência destas transcrições de registos de óbitos, exarados inicialmente nos livros de registo civil n.ºs 1 e 2 do CEP, permanece um mistério. O Código de Registo Civil de 1911, e suas sucessivas alterações até à data de execução das transcrições, não lançam luz que nos ajude a desvendar a razão. Seria plausível que, atendendo ao disposto no art. 39.º do código de 1911, as transcrições se devessem, em razão do último domicílio. Mas a verdade é que encontramos outros combatentes de circunscrições geográficas fora do distrito e que cobrem todo o território nacional. Existem transcrições de militares cuja última residência conhecida, a julgar pelos Boletins individuais de militares do CEP, ia do Algarve a Espinho. Também a pertença a uma corporação militar específica não nos elucida porque provinham de diferentes corporações: 1.ª, 2.ª e 3.ª Companhia da Infantaria 34; 1.ª e 4.ª Companhia da Infantaria 15; 1.ª, 5.ª e 6.º Companhia da Infantaria 22; 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.º e 5.ª Companhia da Infantaria 16; 1.ª e 2.ª Bataria da Artilharia 8; 1.ª, 4.ª e 5.ª Bataria da Artilharia 3.
BIBLIOGRAFIA
Fontes manuscritas:
Portugal. Arquivo Distrital de Santarém. Conservatória do Registo Civil de Santarém: Registo de Transcrições, liv. 7. [PT/ADSTR/ACD/CRCSTR/005/0007]. [Em Linha]. [Consult. 31 mar. 2025] Disponível na Internet: https://digitarq.adstr.arquivos.pt/details?id=1163673
Portugal. Arquivo Distrital de Santarém. Conservatória do Registo Civil de Santarém: Registo de Transcrições, liv. 8. [PT/ADSTR/ACD/CRCSTR/005/0008]. [Em Linha]. [Consult. 31 mar. 2025] Disponível na Internet: https://digitarq.adstr.arquivos.pt/details?id=1163674
Portugal. Arquivo Distrital de Santarém. Paróquia de Abitureiras [Santarém]: Registo de Batismos, liv. 5. [PT/ADSTR/PRQ/PSTR01/001/00056_m0068]. [Em Linha]. [Consult. 31 mar. 2025] Disponível na Internet: https://digitarq.adstr.arquivos.pt/viewer?id=1005974
Portugal. Arquivo Histórico Militar. Boletins Individuais de Militares no CEP 1914/1918: José do Espírito Santo. Cx. 12, n.º 10396. [Em Linha]. [Consult. 31 mar. 2025] Disponível na Internet: https://ahm-exercito.defesa.gov.pt/details?id=145276&detailsType=Description
Fontes impressas:
Decreto com força de lei de 18 de fevereiro [Institui o registo civil obrigatório]. Diário do Governo n.º 41/1911, Série I de 1911-02-20. [Em linha]. Lisboa: Ministério da Justiça. [Consult. 30 mar. 2025]. Disponível na Internet: https://files.diariodarepublica.pt/1s/1911/02/04100/06530665.pdf
Lei de 10 de julho [Altera várias disposições do Código do Registo Civil]. Diário do Governo n.º 175/1912, Série I de 1912-07-27. [Em linha]. Lisboa: Ministério da Justiça. [Consult. 30 mar. 2025]. Disponível na Internet: https://files.diariodarepublica.pt/1s/1912/07/17500/26612663.pdf
Decreto n.º 22018 [Promulga o Código do Registo Civil]. Diário do Governo n.º 299/1932, 1.º Suplemento. Série I de 1932-12-22. [Em linha]. Lisboa: Ministério da Justiça e dos Cultos [Consult. 30 mar. 2025]. Disponível na Internet: https://files.diariodarepublica.pt/1s/1932/12/29901/25972638.pdf
Base de dados e estudos:
Portugal. Arquivo Histórico Militar. Memorial aos Mortos na Grande. [Em Linha]. [Consult. 30 mar. 2025] Disponível na Internet: http://www.memorialvirtual.defesa.pt/Paginas/Splash.aspx
ALVES, Mário Tropa – Mação na 1.ª Grande Guerra. Flandres 1917-1918. 2.ª edição. Mação: Câmara Municipal, 2023.
AZEVEDO, Ana Carina; SIMÃO, Maria Manuel – Nas Trincheiras da Flandres. Os cartaxenses do Corpo Expedicionário Português 1917-1919. Cartaxo: Câmara Municipal, 2018.