INDÚSTRIA E INDUSTRIAIS – 11. António Lourenço & Cª, Filhos, Ld.ª – “Lourex”: a indústria têxtil em Minde no séc. XX | Arquivo Distrital de Santarém
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1 de Julho de 2024

INDÚSTRIA E INDUSTRIAIS – 11. António Lourenço & Cª, Filhos, Ld.ª – “Lourex”: a indústria têxtil em Minde no séc. XX

 

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1959, janeiro, 9 – Torres Novas

Escritura de constituição de sociedade (capital de 100.000$00 ) com a firma António Lourenço & Filhos, Limitada, com sede em Minde, tendo por sócios: António Lourenço Anjos da Silva, Lourenço Coelho Anjos da Silva, Lourenço Coelho Carvalho e António Coelho da Silva, todos casados, industriais, naturais e residentes em Minde, Alcanena, com o objeto de indústria de malhas, mantas, fios para tricot, comércio de peles e lãs, etc.

Tem averbadas escrituras de 1979-03-23, 1979-06-12, 1981-07-03 e 1981-09-30 (entrada de novo sócio, alteração de pacto social, amortização de quota e aumento de capital), todas lavradas no Cartório Notarial de Alcanena.

PT/ADSTR/NOT/02CNTNV/001/0859 – Portugal, Arquivo Distrital de Santarém, Cartório Notarial de Torres Novas – 2.º Ofício (notário António Marques Caramelo), liv.859 (orig. 121), f.41 a 44

 

 

 

1. O desenvolvimento da indústria de lanifícios em Minde

 

A freguesia de Minde está localizada numa depressão fechada entre os Planaltos de Santo António e de São Mamede (Polje de Minde), em pleno Maciço Calcário Estremenho, o que, durante muito tempo, manteve a comunidade local um tanto isolada.

A fraca aptidão para a prática da agricultura pelo que, desde cedo, as gentes locais ter-se-ão dedicado à pastorícia e ao fabrico artesanal de lanifícios (fabrico da lã, cardação e tecelagem) bem como à sua comercialização.

A atividade está bem documentada no séc. XVII em diversos documentos estudados por João Madeira Martins, nomeadamente em habilitações de genere. [1]

Beneficiando do saber fazer destes povos, instala-se em Minde, em 1733, o Hospício de Santana, de frades arrábidos e a sua fábrica de hábitos. Durante 100 anos, tantos quanto foram os da sua existência, participou e incentivou o progresso desta indústria.

Em 1802, o Corregedor da Comarca de Ourém, Bernardo António Ferreira de Macedo, respondendo à Ordem [da Junta do Comércio] de 5 de fevereiro[2], informava que em Minde se fabricavam lãs e se teciam buréis, panos de varas, alforges e mantas para a tropa, fundições e arsenais do Exército e Marinha, “sem formalidade de fábrica, mas em casa de particulares”. Acrescentava ainda que “Neste tráfego se empregam quase todas as pessoas do mesmo lugar, com exceção de poucas, proporcionando o tempo, nas diferentes estações do ano, empregando-se ao mesmo tempo no serviço do campo, nas ocasiões que é preciso.”

Pouco se sabe do desenvolvimento desta indústria, mas é natural que, a partir de meados do séc. XIX, recuperada a normalidade posta em causa pelas invasões francesas e guerras liberais, e apesar do encerramento do Hospício dos frades arrábidos, as atividades de fiação e cardação de lãs bem como as de fabricação de mantas tenham sido retomadas e mesmo incrementadas.

Francisco Madeira Martins, no n.º 146, do Jornal de Minde[3] relata o episódio do transporte da 1.ª máquina a vapor, adquirida em finais do séc. XIX por João Higino Teixeira Guedes. A novidade teve, no entanto, curta duração já que a fábrica sofreu um grave incêndio que a destruiu acabando o industrial por desistir dos lanifícios[4].

 

2. O pós-guerra e a indústria das malhas

No século XX, a indústria têxtil de Minde desenvolveu-se sobretudo ao nível da fabricação de malhas exteriores, indústria que se desenvolveu no país por iniciativa de alguns cidadãos polacos que se estabeleceram em Lisboa, durante a 2.ª Guerra Mundial. Conta-se que em 1942,

“o industrial sr. António Roque Gameiro, como outros, em risco de ver prejudicada a sua vida e abalado o seu futuro, procurou, para que lhe desse uma sugestão,  um amigo de Lisboa, o sr. António Lourenço Alves, a quem expôs a sua situação aflitiva em que se encontrava, tanto pela falta da necessária matéria-prima –  cujas vendas estavam condicionadas apenas a certos tipos de laboração em grande escala – como pela pequena dimensão da sua indústria. Este, interessando-se em auxiliá-lo, lembrou-lhe que poderia montar em Minde uma fábrica de malhas exteriores, para a qual não havia condicionalismos nem de instalação nem de produção. Aceite a ideia, dela nasceu a conhecida Sociedade Industrial de Malhas Mindense, constituída pelos srs. António Lourenço Alves, António Roque Gameiro e Virgílio Augusto do Rio, este último o primeiro mestre de malhas aparecido na região e que tanto havia de contribuir para o seu desenvolvimento, pois foi quem ensinou a um grande número de mindericos, a trabalhar com as máquinas novas.” [5]

Na década de 50-60 do séc. XX, resultado do desenvolvimento industrial, a população de Minde cresceu 48,4%. Em 1963 (Decreto n.º 45189, de 14 de agosto, DG n.º 191/1963, Série I, de 1963-08-14, p.1104), Minde foi elevada à categoria de vila considerando o apreciável desenvolvimento demográfico e urbanístico; o notável incremento industrial; o facto de ser servida por adequadas vias de comunicação e dotada com instalações de distribuição domiciliária de água e energia elétrica, assim como de rede de saneamento; a existência de diversas instituições de interesse público, incluindo infantário, Casa do Povo, com valiosa sala de espetáculos, corpo de bombeiros e clubes recreativo e desportivo, estando prevista a construção de mercado e de um parque de jogos.

Em 1970, encontravam-se instaladas em Minde cerca de cinquenta fábricas têxteis, equipadas com “modernos maquinismos” que empregavam perto de 1500 pessoas. A par destas fábricas constituíram-se outras como uma fábrica construtora de máquinas de malhas retilíneas, bem como 3 tinturarias, que empregavam cerca de 200 trabalhadores, assim como se estabeleceram na zona numerosos agentes comerciais de produtos subsidiários das mesmas.

A maioria das fábricas era de cariz familiar que, não abandonando os fabricos e comércio tradicionais, apostaram neste novo produto. Muitos dos sócios, quando não toda a sociedade comercial, participavam em negócios associados, desde a fiação e tinturaria a transportes.

 

3. A firma António Lourenço & Filhos, Lda. – “Lourex” 

Em 1970, por ocasião da visita do Presidente da República, o Almirante Américo Tomás, a revista “A Hora”: Jornal Ilustrado, dedica os seus n.ºs 88, 89 e 90 ao concelho de Alcanena com grande destaque para a freguesia de Minde. Era então presidente da Junta de Freguesia de Minde Lourenço Coelho Anjos da Silva, fundador, com seu pai António Lourenço dos Anjos da Silva, e cunhado Lourenço Coelho Carvalho, da firma António Lourenço & Filhos, Lda. – “Lourex”.

Da firma, apresentada como exemplo, é dito que iniciara atividade a 1 de maio de 1953 com a designação de António Lourenço dos Anjos da Silva.

Em 9 de janeiro de 1959, é constituída nova sociedade, cuja escritura é o documento que hoje destacamos.

Para além dos elementos já citados, a nova sociedade incluía ainda, como sócio, António Coelho da Silva, todos residentes na freguesia de Minde, concelho de Alcanena[6] tendo adotado então a designação António Lourenço & Filhos, Lda. O objeto da firma era a indústria de malhas, mantas, fios para tricô, e o comércio de peles e lãs.

A exploração foi principiada com uma máquina de malhas, retilínea, manual de 1 m de largura, com 1 bobinador de 6 fusos e uma máquina manual de costura, “em modesto edifício de renda”. Com a aquisição de novas máquinas, o alargamento do negócio e a necessidade de dar condições sociais aos seus trabalhadores, foi necessário construir um edifício de raiz.

A unidade fabril, de cariz familiar, possuía à data, 250 trabalhadores, um refeitório em edifício próprio e planos para a construção de um bairro social, ao abrigo da Lei n.º 2092[7].

Dada como caso de sucesso, fazia jus ao lema “Labor omnia vincit”.

 

4. As preocupações sociais

Os trabalhadores provinham não só de Minde como também das localidades vizinhas. Foram criadas carreiras de transportes públicos mas, em 1973[8], os industriais ainda se queixavam dos elevados gastos com o transporte de pessoal.

Empregando um elevado número de mulheres, havia também grande preocupação com o apoio à infância. A Casa do Povo, constituída por Alvará de 14 fevereiro 1940, com o apoio do Instituto das Obras Sociais do Ministério das Corporações[9], promoveu então a criação de uma creche em Minde. No início dos anos 70 funcionava das 8:00 às 18:00h, numa casa alugada, tinha capacidade para 50 crianças e era regida pelas Irmãs Concepcionistas.

A Casa do Povo de Minde desenvolveu também grandes esforços para a construção de um pavilhão gimnodesportivo, instalação de um posto médico e sobretudo para a construção de um bairro de casas económicas[10].

Fazia-se radicar a falta de mão-de-obra no problema da habitação, que já vinha a ser discutido pelo menos desde 1965:

“Não se pode favorecer a aquisição de mão-de-obra que falta enquanto Minde não tiver habitações de renda económica para as oferecer aos que a procuram acompanhada dos seus agregados familiares. E sem casa o trabalhador não fica e se fica, o que acontece com alguns, é para fazerem de Minde uma escola de aprendizagem, e mais tarde, logo que estejam especializados, ausentarem-se para outros meios onde lhes oferecem melhores condições de habitação e até de vida.”

 

5. Atualidade

Atualmente, apesar da crise no sector, consequência da globalização e da concorrência asiática, a atividade têxtil continua a ter um papel importante na economia da freguesia a par do transporte de mercadorias e do corte e transformação de rocha calcária e mármores.

Em 2024, Minde regista 215 empresas, sendo seis empresas de fabricação e acabamento de têxteis e 16 indústrias de vestuário, de um total de 28 indústrias transformadoras. [11]

Fabricação e acabamento de têxteis

  • Sociedade industrial da nova tinturaria mindrica, Ld.ª;
  • Têxteis Maxime Prodigious, unipessoal, Ld.ª;
  • Fábrica de malhas Esmeralda, Ld.ª;
  • Any Ruca – Bordados industriais, Ld.ª;
  • Roquelã – Atelier mindense tecelagem unipessoal, Ld.ª;
  • Lorcel – Indústria têxtil.

Indústria do vestuário

  • Primma – Produção industrial de moda em malhas, Ld.ª;
  • Rijoma – Indústria de têxteis, Ld.ª;
  • Ramiro Almeida & Filhos, Ld.ª;
  • Têxtil Rogam, Ld.ª;
  • Ferreira & Raposo, Ld.ª;
  • Luvapele – Criação de artigos em pele, Ld.ª;
  • Malhas Querido, Ld.ª;
  • Azedo & Ferreira, Ld.ª;
  • Ricap – Moda e malha, unipessoal, Ld.ª;
  • Confecções Ribanjos, Ld.ª;
  • Figura Trivial, Ld.ª;
  • Prestigetime, unipessoal, Ld.ª;
  • Expoluvas, Indústria e comércio de luvas, Ld.ª;
  • Abalmar – Fábrica de malhas, Ld.ª;
  • Salvador Dinis Silva Rito, Ld.ª;
  • Paellos – Indústria de malhas, Ld.ª

 

 

MINDE – A VILA E A SUA INDÚSTRIA NO SÉC.XX (VÍDEO)

SOCIEDADES DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA EM MINDE (1950-1973): CARTÓRIOS NOTARIAIS DE ALCANENA E TORRES NOVAS

Comercio e Indústria em Minde_1950-1973_versão final

Bibliografia

AAVV – Memórias de Minde: séc. XX . Minde: Comissão de Festas do Espírito Santo, 2000

AAVV – A Hora: jornal ilustrado . 2.ª série. n.ºs 88, 89, 90 (outubro, novembro, dezembro, 1970)

ALMEIDA, Maria Alzira – Os frades arrábidos em Minde. Mátria Digital n.º 6 (Novembro 2018 Outubro 2019). pp.257-272

JORNAL de Minde. Boletim Paroquial de Minde. Minde (mar-abr. 1965)

JORNAL de Minde. Minde (nov. 1970)

JORNAL de Minde. Minde (dez. 1970)

MARTINS, Abílio Madeira e NOGUEIRA, Agostinho – Minde: História e monografia: (apontamentos). Minde: Jornal de Minde, 2002. p.293

MARTINS, João Madeira Martins – Antiguidades de Minde. 3 vol. Odivelas: 1988-1990

MENDES, Rui Manuel Mesquita – O Padroado do Hospício de Sant’Ana, em Minde (1757), [Em linha] [Consult. 28 jun. 2011]. Disponível em <URL: historia-e-arte-barroca.blogspot.com/2011/06/o-hospicio-de-santana-em-minde.html>

PEDREIRA, Jorge Miguel – Estrutura sectorial e regional da indústria portuguesa: Estatística e Cartografia. Os inquéritos industriais da Junta do Comércio (1815-1825). Revista Económica e Social, n.º 27 (setembro-dezembro 1989). pp.95-135

RODRIGUES, João Miguel Matafome – Relatório de estágio realizado na Câmara Municipal de Alcanena, 2015. Relatório de estágio apresentado ao Instituto Politécnico de Tomar para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Reabilitação Urbana.

 

Fontes

PT/ADSTR/NOT/02CNTNV – Arquivo Distrital de Santarém, Cartório Notarial de Torres Novas 2.º Ofício

PT/ADSTR/AC/JCCP – Arquivo Distrital de Santarém, Junta Central das Casas do Povo – Distrito de Santarém

PT/ADSTR/NOT/CNACN – Arquivo Distrital de Santarém, Cartório Notarial de Alcanena

 

Agradecimentos

Biblioteca Municipal Dr. Carlos Nunes Ferreira, de Alcanena (Graça Asseiceira).

Torre do Tombo (João Miguel Rodrigues).

 

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[1] Cf. João Madeira Martins – Antiguidades de Minde. 3 vol. Odivelas: 1988-1990 e Abílio Madeira Martins e Agostinho Nogueira – Minde: História e monografia (Apontamentos). Comissão da Festa do Espírito Santo 2002, pp.149 a 153.

[2] Sobre estes inquéritos V. Jorge Miguel Pedreira – Estrutura sectorial e regional da indústria portuguesa: Estatística e Cartografia. Os inquéritos industriais da Junta do Comércio (1815-1825). Revista Económica e Social, n.º 27 (setembro-dezembro 1989). pp.95-135

[3] Cf. Idem, ibidem, pp.162-163

[4] Em 1891 funda em Maceira, concelho de Leiria uma fábrica de cimentos.

[5] A Hora: jornal ilustrado. 2.ª série. n.ºs 88, 89, 90 (outubro, novembro, dezembro, 1970). A sociedade foi constituída por escritura de 18 de julho de 1942, lavrada de fl.28 a 29v., do livro 167, do notário Pedro Augusto dos Santos Gomes – 8.º Cartório Notarial de Lisboa. Sócios: Virgílio Augusto do Rio, comerciante, de Lisboa, António Roque Gameiro, António Lourenço Alves, comerciante, residente em Lisboa. Designação: Sociedade Industrial de Malhas Mindense, Lda., Sede: Minde, concelho de Alcanena; Objeto: industrialização de malhas em lã, algodão e fabricação de tecidos de malhas, etc.

[6] É referido que se estudava uma alteração de pacto social com a introdução de um novo sócio, o Sr. Humberto Coelho da Silva, mas tal só veio a acontecer em 1979 (escritura de 23 de março de 1979, exarada a fl.86, do liv. A-7, do Cartório Notarial de Alcanena).

[7] Lei n.º 2092, de 9 de abril de 1958 (DR n.º 72/1958, Série I, de 9 de abril), pp.213 a 216 – Estabelecia as modalidades de cooperação das instituições de previdência, das Casas do Povo e das suas Federações no fomento da habitação, nomeadamente pela construção, para arrendamento ou alienação, de casas económicas e de casas de renda livre e pela concessão de empréstimos para construção ou beneficiação de habitação própria. Estabelecia ainda as regras gerais correspondentes a cada um dos regimes previstos.

[8] Artigo do Diário Popular de setembro de 1973 apenso ao processo 35 (Casa do Povo de Minde) – Conjunto Habitacional (Bairro) – PT/ADSTR/AC/JCCP/00081.

[9] Extinto por Portaria n.º 197/81, de 20 de fevereiro e os seus serviços integrados nos respetivos Centros Regionais.

[10] Em 27 de janeiro de 1972 a direção da Casa do Povo de Minde, presidida por Lourenço Coelho Carvalho, sócio da “Lourex”, elabora um memorial onde expõe a necessidade destes equipamentos.

[11] Fonte: https://infoempresas.jn.pt/C13_FABRICACAO-TEXTEIS/Freguesia_MINDE-ALCANENA.html [acedido em 13-06-2024]

 

 

 

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