Róis de Confessados: A Paróquia de S. Miguel de Rio Torto, Abrantes | Arquivo Distrital de Santarém
Saltar os Menus

Notícias

1 de Fevereiro de 2024

Róis de Confessados: A Paróquia de S. Miguel de Rio Torto, Abrantes

1861

Róis de confessados dos lugares de Cova da Maia e Vale de Serrana, paróquia de São Miguel de Rio Torto.

PT/ADSTR/PRQ/PABT12/011/003 – Arquivo Distrital de Santarém. Paróquia de São Miguel de Rio Torto [Abrantes],

Róis de confessados de 1861, f. 5v.-6.

 

1. A QUARESMA NA TRADIÇÃO CRISTÃ

                            Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris (Gn 3: 19)

                            Convertimini et credite Evangelio (Marcos 1: 15)

 

Lembra-te, homem, que és pó e ao pó haverás de voltar e/ou Convertei-vos e acreditai no Evangelho são duas expressões pronunciadas pelo sacerdote católico na cerimónia das Cinzas, enquanto traça uma cruz na testa dos fiéis, com cinzas, lembrando-os da efemeridade humana, da necessidade de arrependimento e reflexão espiritual durante a Quaresma, da transitoriedade da vida e da importância de buscar uma relação mais profunda com Deus.

Este ano (2024), esta celebração terá lugar a 14 de fevereiro, marcando o início da Quaresma na tradição cristã.

A Quaresma, do latim quadragesima dies (quadragésimo dia) é um período litúrgico de 40 dias que antecede a Páscoa na tradição cristã ocidental. Tem o seu início na Quarta-feira de Cinzas e termina no Sábado de Aleluia (Sábado Santo). Estes dias simbolizam o período que, de acordo com o relato dos evangelhos, Jesus passou a jejuar no deserto antes de iniciar a sua vida pública.

A Quaresma é observada por várias denominações cristãs, incluindo católicos, anglicanos, luteranos e algumas tradições protestantes. As práticas específicas podem variar entre as diferentes comunidades e tradições, mas o objetivo comum é a preparação espiritual para a celebração da Ressurreição de Jesus Cristo (Domingo de Páscoa).

Alguns aspetos mais comuns da observância quaresmal incluem a oração, o arrependimento, a penitência, o jejum e abstinência, a prática da caridade como expressão de amor ao próximo e uma reflexão em busca de uma renovação espiritual.

 

2. CONFISSÃO E COMUNHÃO: OS RÓIS DE CONFESSADOS

 

Os róis de confessados são canonicamente designados Liber status animarum (Livro do Estado das Almas). Assumem ainda, à produção, outras designações tais como: róis de confissão e comunhão, listas da desobriga quaresmal ou ainda desarriscas.

Destinavam-se ao controlo anual dos paroquianos no que respeita ao cumprimento dos sacramentos da confissão e comunhão por ocasião da Quaresma. A sua utilidade era exclusivamente eclesiástica, permitindo a monitorização do cumprimento dos sacramentos e a quantificação dos fiéis. Servia ainda como documento de suporte à cobrança dos direitos paroquiais.

A obrigatoriedade de confissão anual e da comunhão pascal dos fiéis foi fixada em 1215 no IV Concílio de Latrão através do capítulo Omnes utriusque sexus: «Cada fiel, de ambos os sexos, atingindo a idade da razão, confesse lealmente, sozinho, todos os seus pecados ao sacerdote, ao menos uma vez ao ano, e se aplique a cumprir, segundo as suas forças, a penitência que lhe foi imposta; receba com reverência ao menos pela Páscoa o sacramento da Eucaristia».

Apesar desta determinação, apenas após o Concílio de Trento, no século XVI, foi declarada a obrigatoriedade deste registo em todas as paróquias das dioceses. De fora ficavam as congregações religiosas e os aquartelamentos militares.

No caso português, várias dioceses declararam a obrigatoriedade deste registo antes do referido Concílio, nomeadamente as de Braga (1477) e Porto (1496) através das suas Constituições Sinodais.

Segundo as disposições canónicas a obrigação da confissão pascal incidia sobre todos os fregueses com residência habitual na paróquia. Em caso de ausência temporária poderiam confessar-se antes da Quaresma ou até quinze dias após o seu regresso. Não se reunindo estas condições, deviam forçosamente confessar-se noutra paróquia munindo-se do respetivo comprovativo (senha de desobriga quaresmal). Desta forma, alguns indivíduos, ainda que poucos, eram arrolados sem que no momento exato da desobriga estivessem na paróquia.

As Constituições do Arcebispado de Lisboa estipulavam que o rol se devia organizar por ruas e, dentro destas, os agregados familiares, com anotação dos indivíduos por extenso, suas relações de parentesco ou afinidade e a indicação do cumprimento dos preceitos (Liv. I, Tit. X § VI).

Assim, todos os anos após a Dominga da Septuagésima (9.º domingo antes da Páscoa) priores, reitores, vigários e curas estavam obrigados a fazer o rol onde assentavam todos os lugares da freguesia, os fregueses por nomes, sobrenomes e ruas onde viviam, separando casa a casa e cada pessoa que nela vivia, declarando se era de confissão e comunhão ou somente de confissão. O procedimento deveria estar concluído até Quarta-Feira de Cinzas e executado entre os domingos da septuagésima e da quinquagésima do calendário eucarístico, podendo proceder-se ao seu cumprimento até ao domingo de Pascoela. Em caso de incumprimento, seguia-se a excomunhão ipso facto, com assento no rol.

Quinze dias depois do Domingo do Bom Pastor (4.º Domingo da Páscoa), os vigários deveriam enviar o rol ao Provisor a fim de que fosse registado, bem assim como assentados os nomes dos excomungados. Nesta sequência todos os extratos finais dos róis eram vertidos numa série designada Livros de Registo dos Róis de Confessados que cada diocese deveria conservar.

Percebe-se, portanto, que esta documentação constitui uma fonte histórica fundamental para a compreensão da sociedade em períodos pré-censitários pois fornece a lista anual de moradores, excluindo os menores de 7 anos, organizada por ruas e fogos. Oferece-nos várias valências de investigação:

  • estrutura e composição dos agregados, incluindo todos os residentes: mulher, pais, filhos, netos, avós, cunhados, sobrinhos, criados, escravos, oficiais, aprendizes e outros;
  • características pessoais e deficiências físicas;
  • configuração estrutural da freguesia:
    • localização de espaços institucionais e vivenciais;
    • os grupos socioprofissionais dominantes;
    • estatuto social dos moradores;
    • toponímia;
    • relações de masculinidade;
    • número e tipo de famílias.

No entanto, os róis não se podem assumir como um autêntico recenseamento, em sentido moderno, na medida em que eram elaborados na Quarta-Feira de Cinzas até à Dominga da Pascoela, não se podendo datar com exatidão o momento em que é administrado o sacramento, apesar da data que acompanhava o extrato final ou resumo (vide Constituições do Arcebispado de Lisboa, Liv. I, tit. X). Por outro lado, certas franjas populacionais não eram contempladas nestas listas por não reunirem os requisitos para a receção dos sacramentos. Aqui se incluem os ‘menores de confissão’ (0-7 anos) e os revéis e/ou excomungados. É de notar que, em termos etários, a população sujeita a este preceito compunha-se dos ‘menores de comunhão’ ou ‘almas menores’ (7-12 para o sexo feminino e 7-14 para o masculino) e das ‘almas maiores’ ou ‘pessoas de comunhão’. Apenas em alguns casos excecionais era incluída toda a população (finais do século XVIII), sendo frequente a inclusão das idades, estado civil, relação familiar e profissão a partir do último quartel do século XIX.

 

3. OS RÓIS DE CONFESSADOS DA PARÓQUIA DE SÃO MIGUEL DO RIO TORTO

 

PT/ADSTR/PRQ/PABT12/011

 

A antiga freguesia de São Miguel de Rio Torto, no termo de Abrantes tinha como donatária, em 1758, a duquesa de Abrantes, camareira-mor da rainha. Foi curato de apresentação do vigário de São João Batista de Abrantes. Posteriormente tornou-se independente.

Pertenceu à diocese da Guarda. Passa à diocese de Castelo Branco, em 7 de junho de 1771, desanexada que foi da diocese da Guarda. Em 14 de setembro de 1882 passa para a de Portalegre, que toma a designação de diocese de Portalegre-Castelo Branco em 18 de setembro de 1956.

A série Róis de Confessados desta paróquia e conservados no Arquivo Distrital de Santarém é composta por 30 cadernos e 1 livro. Tem como âmbito cronológico: 1859-1865, 1867-1871, 1873-1876, 1880-1884, 1886-1887, 1889-1890, 1895-1897 e 1900-1909.

Contém inventários anuais de todas as famílias (fogos) com as suas cabeças, filhos e servidores desde os 7 anos completos, com o averbamento por letra de se terem confessado e comungado (cc) ou só confessado (c).

São arrolados os seguintes lugares: Areias de Baixo, Areias de Cima, Arneiro, Arreciadas, Arrifana, Bicas, Campo, Caniceira, Casal do Meio, Casal dos Frades, Celões, Cova da Maia, Estação de Abrantes, Fonte do Vale, Moinho do Meio, Outeiro da Maia, Outeiro, Palhotas, Parradas, Portela, Quintas, S. Macário, Salvadorinho, Sarnadas, Vale Cortiças, Vale de Serrana, Vale Seco e Valongo.

No quadro seguinte sistematizámos algumas informações relativas ao século XIX comparando o arrolamento com os resultados dos Recenseamentos Gerais da População:

 

Ano N.º de Fogos N.º Fregueses Conf./Com. Conf. S. Idade para confissão Incump. quaresmal Pároco Recenseamento Geral População
1859 302 970 827 143 [n.r.] 0 Guilherme de Morais Reyna  
1860 305 1019 853 166 [n.r.] 0 Idem  
1861 328 1037 863 174 [n.r.] 0 Idem  
1862 331 1068 896 172 [n.r.] 0 Idem  
1863 341 1081 910 171 [n.r.] 1 Idem  
1864 328 1031 864 167 [n.r.] 1 José dos Santos Duarte Marques 1362
1865 317 994 840 154 [n.r.] 1 Idem  
1867 313 1070 927 143 [n.r.] 2 Idem  
1868 307 1088 949 139 [n.r.] 1 Idem  
1869 312 1085 926 159 [n.r.] 2 Idem  
1870 315 1110 953 157 [n.r.] 4 Idem  
1871 311 1105 965 140 [n.r.] 6 Idem  
1873 320 1131 972 159 [n.r.] 4 Idem  
1874 319 1125 955 170 [n.r.] 3 Idem  
1875 334 1154 983 171 [n.r.] 6 Idem  
1876 348 1196 1000 196 [n.r.] 8 Idem  
1880 352 1246 1084 162 [n.r.] 1 Idem 1582 (em 1878)
1881 355 1238 1086 152 [n.r.] 6 Idem  
1882 359 1241 1086 155 [n.r.] 9 Idem  
1883 357 1251 1094 157 [n.r.] 7 Idem  
1884 371 1312 1143 169 [n.r.] 8 Idem  
1886 375 1587 1114 136 287 30 Idem  
1887 385 1578 1174 155 249 29 Idem  
1889 395 1535 [n.r.] [n.r.] [n.r.] [n.r.] José Martins da Conceição  
1890 382 1388 [n.r.] [n.r.] [n.r.] [n.r.] Idem 1778
1895 465 1502 [n.r.] [n.r.] [n.r.] [n.r.] Idem  
1896 307 [n.r.] [n.r.] [n.r.] [n.r.] [n.r.] [n.r.]  
1897 474 1533 [n.r.] [n.r.] [n.r.] [n.r.] José Martins da Conceição  

Quadro – Recopilação dos dados constantes dos róis de confessados da paróquia de São Miguel do Rio Torto [Abrantes] 1859-1897.

 

BIBLIOGRAFIA

 

Fontes manuscritas:

PT/ADSTR/PRQ/PABT12/011 – Arquivo Distrital de Santarém. Paróquia de São Miguel de Rio Torto [Abrantes]: Róis de confessados. Disponível em https://digitarq.adstr.arquivos.pt/details?id=999623. [Consult. 31-01-2024].

Portugal, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Memórias Paroquiais, São Miguel de Rio Torto, vol. 32, n.º 137, fl.825-827, 1758.

Fontes impressas:

CUNHA, Rodrigo da, arcebispo – Constituições synodais do arcebispado de Lisboa. Lisboa Oriental: Officina de Fillipe de Sousa Villella, 1737.

ADSTR – Governo Civil de Santarém – Mappa estatístico, topográfico do distrito administrativo de Santarém contendo a designação das aldeias, casais e povoações-número de fogos-almas-nascimentos-casamentos-óbitos de cada freguesia no anno de 1843, mandado coligir pelo Secretário-Geral dessa época José Lopes da Fonseca e coligido pelo 2º oficial deste Governo Civil, José Carlos Petrone, 1 liv., ms.

COSTA, Américo – Dicionário Corográfico de Portugal Continental e Insular. 12 vol. Porto: Liv. Civilização, 1924 – 1948.

Estudos:

PEREIRA, Isaías da Rosa – Os róis de confessados como fonte histórica. In Anais da Academia Portuguesa de História. Lisboa. 2: 31 (1986) 271-288.

PEREIRA, Isaías da Rosa – Os róis de confessados, seu interesse histórico e alguns problemas que suscitam a sua utilização. In Primeiras Jornadas de História Moderna. Lisboa: CH-ULisboa, 1986, p. 57.

RIBEIRO, Ana Rita de Almeida Marado Coelho – A importância dos róis de confessados na demografia histórica: os róis de confessados da freguesia de Nossa senhora da Encarnação da Ameixoeira entre 1750 e 1760. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Tese de Mestrado, 1989.

RIJO, Delminda Maria Miguéns – A representação da freguesia de Santa Justa (Lisboa) nos Róis de Confessados (1693-1702). Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Tese de Mestrado, 2011.

RODRIGUES, Teresa Ferreira – Para o Estudo dos Róis de Confessados: a freguesia de Santiago de Lisboa (1630-80). In Nova História. Lisboa. 3-4 (1985) 79-106.

SOARES, Franquelim Neiva – Rói de Confessados. In AZEVEDO, Carlos Moreira, dir. – Dicionário de História Religiosa de Portugal. Vol. 4. Lisboa: Círculo de Leitores, p. 135-137.

Esta notícia foi publicada em 1 de Fevereiro de 2024 e foi arquivada em: Documento em Destaque.