Os Expostos de Santarém e os seus nomes | Arquivo Distrital de Santarém
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5 de Janeiro de 2024

Os Expostos de Santarém e os seus nomes

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1863, janeiro, 7 – Igreja de São Nicolau de Santarém

Registo de batismo de Adelaide dos Reis, exposta na Roda de Santarém no dia 6 de janeiro (Dia de Reis). Assento n.º 2 do ano de 1863.

Tem averbado o seu falecimento.

PT-ADSTR-PRQ-PSTR20-001-0003Arquivo Distrital de Santarém, Paróquia de S. Nicolau de Santarém, Registo de batismos, liv. 3, fl.1 e 1v.

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1. As rodas dos expostos de Santarém

Os expostos ou enjeitados eram crianças, na sua maioria recém-nascidas, abandonadas pelos seus progenitores, filhos de pais incógnitos que não os podiam criar, por pobreza ou por serem fruto de uma relação proibida.

Em Portugal, o abandono de crianças foi objeto de preocupação desde o século XIV. O Hospital de Nossa Senhora dos Inocente de Santarém, de acordo com Fátima Reis, foi o segundo hospital destinado ao amparo de enjeitados no país. Foi criado por iniciativa da Rainha Santa Isabel e de D. Martinho, Bispo da Guarda, por volta de 1321. Situava-se junto à Porta de Leiria, perto do local onde hoje se encontra a igreja de Nossa Senhora da Piedade. Em 1485 foi integrado no Hospital Real de Jesus Cristo.

Esta prática, apoiada pela caridade pública de instituições como a Igreja e o Estado, tornou-se um problema social que carecia de regulamentação. Assim, no séc. XVIII houve necessidade de legislar sobre a matéria, sendo particularmente importante a Circular de 24 de maio de 1783, do Intendente da Polícia do Reino Pina Manique, que generalizou e institucionalizou as Rodas em todas as vilas. Mais tarde, em 1836, Passos Manuel impôs algumas alterações, uniformizou o serviço de expostos, fazendo cessar as competências das Misericórdias e atribuiu-as às Juntas de Distrito e às Câmaras Municipais, o que vigorou até 1867.

Em Santarém, a Roda estava inicialmente situada no edifício do Hospital de Jesus Cristo, fundado por João Afonso, situado num espaço definido pelas atuais ruas de João Afonso, travessa da Roda e o chamado Canto da Cruz. Supõe-se que, por volta de 1753, a Roda terá passado para o Convento das Capuchas, como o atesta a inscrição na parte superior da roda ainda aí existente.

Em 1834 passa, com o Hospital, para o Convento do Sítio, no atual Largo Cândido dos Reis e, a partir de 1854, volta novamente para o antigo edifício do Hospital, conhecido por Hospital Velho, entretanto adquirido pela Câmara Municipal de Santarém, à qual, por força do Decreto de 19 de setembro de 1836, cabia a arrecadação das rendas e a despesa com a criação dos expostos com comparticipação da Junta Geral de Distrito passando os expostos a ser batizados na Paróquia de São Nicolau. O primeiro registo de batismo de um exposto na igreja de São Nicolau data de 12 de março de 1854 e diz respeito a Benvinda, Assento 1.º Exposto, n.º 294/1854, PT-ADSTR-PRQ-PSTR20-001-0001_m0105 e m106.

A Roda era um cilindro giratório, parcialmente aberto e embutido na parede. Na parte inferior era colocada a criança e tocada uma campainha ou sineta, que alertava do outro lado para a sua presença, para que recebesse cuidados, mantendo assim o anonimato do depositante. A criança era deixada na Roda, geralmente, com pequenos sinais (medalhas, fitas de tecido, peças de roupa e pequenos bilhetes), com o intuito de mais tarde, esses sinais ajudarem na identificação e possível recuperação das mesmas.

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O Decreto de 21 de novembro de 1867 aboliu oficialmente a roda de admissão anónima e a sua substituição por hospícios destinados a crianças expostas, abandonadas e indigentes, mas de admissão controlada. O primeiro regulamento relativo ao distrito de Santarém só foi aprovado e publicado em 1872. As Rodas foram reduzidas a 4: Abrantes, Salvaterra de Magos, Santarém e Tomar, esta última logo extinta em 1873.

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2. O batismo dos expostos e os seus nomes

No ato do batismo, representando este a salvação da alma e a purificação do corpo, a atribuição do nome não era desprovida de simbolismo.

As crianças expostas só raramente tinham apelido, a não ser a pedido do expositor em bilhete que acompanhava a crianças, e nem sempre respeitado. O nome próprio era atribuído pelo padre ou pelos padrinhos.

As madrinhas destas crianças eram com frequência as rodeiras ou amas da Roda e os padrinhos, indivíduos com funções na igreja, como o sacristão ou o tesoureiro, ou ainda figuras locais, disponíveis para participar no ato do batismo, o que era visto pela sociedade como um ato de compaixão e bondade.

Considerando que o nome gera uma individualidade e diferencia o seu portador no interior de uma família ou de uma comunidade, no batismo de expostos, essa diferenciação advinha, já que raramente possuíam nome de família, da atribuição de nomes fora do comum, muitas vezes de referência religiosa, estranhos, senão ridículos. Nomes que, muito embora facilitassem a posterior identificação do indivíduo, também o conotava de imediato como originário da Roda, refletindo socialmente uma conotação discriminatória ao qual se juntava, se tal não bastasse, o epíteto de “exposto” ou “enjeitado”.

Por vezes o nome adotado era o do padrinho ou da madrinha, como também era comum em crianças não expostas. Da leitura dos registos de batismo da Paróquia de São Nicolau de Santarém, de 1871, foi constatado que, dos 150 expostos, 83 tiveram o mesmo padrinho, Maximiano Inácio Gomes, e a 11 deles foi atribuído o nome de Maximiano.

Referimos aqui alguns nomes de expostos em registos de batismo da Paróquia de S. Nicolau de Santarém, referentes aos anos de 1870-1872, (PT-ADSTR-PRQ-PSTR20-001-0005):

  • Thecla (A.º 124/1871, m0110)
  • Tude (A.º 88/1871, m0096)
  • Canuto (A.º 83/1871, m0094),
  • Cunegundes (Exp.120/1871, m0109),
  • Carnívoro (A.º7/1872, m0135),
  • Lualina (A.º 172/1871, m0130),
  • Raílio (A.º167/1871, m0128),
  • Odôra (A.º 159/1871, m0125),
  • Polifemo (A.º 145/1870, m060), entre muitos outros.

Também se optou frequentemente pela atribuição de nomes compostos, como é exemplo o documento em destaque. De notar que, em muitos casos, a segunda parte do nome foi adotada como apelido, são conhecidos os casos dos apelidos dos Santos, do Nascimento, de Deus, do Espírito Santo como apelidos adotados por famílias de expostos. Vejamos outros exemplos referentes aos anos de 1863 (PT-ADSTR-PRQ-PSTR20-001-0003), e de 1865 e 1867 (PT-ADSTR-PRQ-PSTR20-001-0004):

  • Pelágia Penitente (A.º31/1867, m0100),
  • Sabino do Corpo de Deus (A.º 84/1867, m0117),
  • Sérvula do Natal (A.º149/1865, m0042),
  • Vital da Ressurreição (A.º48/1867, m0106),
  • Simão Agrícola (A.º 136/1863, m0082)
  • Alfredo Desamparado (A.º 67/1867, m0112) ou ainda
  • Nicomedes Salvador (A.º 113/1863, m0069).

Só com a aplicação do art.º 149 do Código do Registo Civil, de 1911, os expostos passaram a ter um nome próprio e sobrenome, escolhidos de modo a que se evitassem quaisquer referências ao seu aspeto físico, ao local de onde provinham e a apelidos conhecidos na região, assim como nomes estranhos ou ridículos que os descriminassem como expostos.

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3. Onde encontrar batismos de expostos da Roda de Santarém

São conhecidos registos de batismo de expostos do Hospital Real de Jesus Cristo, de Santarém desde 1817. Os registos mais antigos encontram-se na Torre do Tombo e os mais recentes no Arquivo Distrital de Santarém. Para datas anteriores a 1817 pode recorrer-se ao Registo de Expostos, existente no Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Santarém, com documentação desde 1624.

Arquivo Título do Fundo Código de referência Datas
Torre do Tombo Hospital Real  PT/TT/PRQ/PSTR38 1817-1845
Arquivo Distrital de Santarém Hospital de Jesus Cristo de Santarém PT/ADSTR/CON/HJCSTR 1845-1854
Arquivo Distrital de Santarém Paróquia de São Nicolau de Santarém PT/ADSTR/PRQ/PSTR20 1854-1911

Unidades de descrição relacionadas

Relação complementar: Portugal, Arquivo Distrital de Santarém, Junta Geral de Distrito, [1856-1936]; Portugal, Arquivo Distrital de Santarém, Governo Civil de Santarém, 1835-1953; Portugal, Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Santarém, Registo de expostos, 1691-1839, 1841-1855; Registo de expostos, Documentos de notariado, 1624-1625, 1664-1665, 1780-1858; Registo de expostos, Cabeção das sisas, 1824-1833

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Referências bibliográficas: 

PAIS, José António Correia – A Roda dos Expostos do Sardoal (1785 – 1844). Zahara. ISSN 1645-6149. n.º 5 (Junho 2005) p. 67-75

REIS, Maria de Fátima – Os Expostos em Santarém: A Acção Social da Misericórdia (1691-1710). Lisboa: Ed. Cosmos, 2001. ISBN 972-762-233-X. 228 pp.

REIS, Maria José da Cunha Porém. (2016). Ler Sinais: Os sinais dos expostos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (1790 – 1870). Tese de doutoramento, História (Sociedades e Poderes), Universidade de Lisboa, com a participação do ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Universidade de Évora, 2016. [Consult. 30-11-2023] Disponível em WWW:<URL:https://repositorio.ul.pt/handle/10451/25146>

SANTOS, Graça Maria Abreu Arrimar Brás dos – A Assistência da Santa Casa da Misericórdia de Tomar: Os Expostos (1799 – 1823). Tomar: Santa Casa da Misericórdia de Tomar, 2002. ISBN 9027-58-7. 267 + 20 pp.

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Fontes documentais:

PT-ADSTR-PRQ-PSTR20-001-0001 – Arquivo Distrital de Santarém, Paróquia de S. Nicolau de  Santarém, Registo de batismos, liv. 1

PT-ADSTR-PRQ-PSTR20-001-0003 – Arquivo Distrital de Santarém, Paróquia de S. Nicolau de  Santarém, Registo de batismos, liv. 3

PT-ADSTR-PRQ-PSTR20-001-0004 – Arquivo Distrital de Santarém, Paróquia de S. Nicolau de  Santarém, Registo de batismos, liv. 4

PT-ADSTR-PRQ-PSTR20-001-0005 – Arquivo Distrital de Santarém, Paróquia de S. Nicolau de  Santarém, Registo de batismos, liv. 5

PT-ADSTR-PRQ-PSTR20-003-0002 – Arquivo Distrital de Santarém, Paróquia de S. Nicolau de  Santarém, Registo de batismos, liv. 2

Esta notícia foi publicada em 5 de Janeiro de 2024 e foi arquivada em: Documento em Destaque.