2 de Maio de 2023
“O Problema da Habitação” – a solução da classe média numa vila ferroviária, o Entroncamento
1953, dezembro, 14 – Entroncamento
Escritura de promessa de venda e arrendamento que faz a Cooperativa “O Problema da Habitação”, sociedade cooperativa de responsabilidade limitada, com sede na cidade do Porto, nos termos dos seus estatutos, representada pelo procurador José Joaquim Carvalho da Conceição, a António Ferreira, gerente comercial, sócio n.º1831 da dita Cooperativa e sua mulher dona Maria de Jesus Lagoas Ferreira, doméstica, de uma casa de rés-do-chão e primeiro andar, com sete divisões, no Largo da Feira, na vila de Entroncamento, prédio construído para eles, segundos outorgantes, cujas rendas recebidas seriam consideradas amortizações do preço de venda, com os direitos e obrigações nela expressos.
PT/ADSTR/NOT/CNENT/001/0028 – Arquivo Distrital de Santarém, Cartório Notarial do Entroncamento, Livro de notas para escrituras diversas n.º28, f.32 (parte) a 35 (parte)
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A escassez de oferta da habitação, grave desde início [1], devido ao fluxo migratório e ao facto da povoação se ter implantado em local pouco habitado[2], apesar das soluções entretanto encontradas, nomeadamente os bairros operários[3], agudizou-se durante o período da II Grande Guerra com a diminuição do ritmo de construção e o aumento quase exponencial da população.
Em 1950 a população do Entroncamento tinha aumentado 79% em relação à apurada no censo de 1930 o primeiro em que consta, uma vez que a freguesia só foi criada em 1926.
Terminada a Guerra o ritmo não só é retomado como se intensifica:
- 1955 são construídos o Bairro de Casas Económicas Dr. Oliveira Salazar (102 moradias geminadas de primeiro andar) e o Bairro Engenheiro José Frederico Ulrich, construído pela Câmara Municipal (116 pequenas moradias geminadas, geralmente de um só andar, pontuado nos cantos com soluções de primeiro andar); e em
- 1960 é inaugurado pela Caixa de Previdência a extensão do Bairro de Casas Económicas Dr. Oliveira Salazar (98 habitações, divididas por três tipos de construção: 34 habitações de dois pisos, geminadas, com um terreno na retaguarda e um pequeno jardim na frente; 32 habitações de um só piso, distribuídas por casas geminadas de dois pisos, com acesso ao piso superior por uma escada exterior; 32 habitações divididas em dois blocos de habitação em altura, de 4 pisos cada, colocados a 45 graus em relação às estradas que os delimitavam).
Se às classes menos abastadas se oferece a opção do arrendamento de “casas económicas” a classe média persegue o sonho da casa própria com recurso a uma cooperativa de habitação.
Ainda no início da decada de 1890, o cooperativismo em Portugal já previa entre as suas diversas finalidades, no caso da Sociedade Cooperativa e Caixa Económicado Porto, o empréstimo de dinheiro aos seus associados para a “construção de casas” (Ferreira, 1979, p. 3). A primeira cooperativa habitacional data de 1894. A Cooperativa Popular de Construção Predial, sediada em Lisboa, tinha como objetivo “adquirir terrenos para a construção de alojamentos em Lisboa”, num contexto das ações populares e sindicais de reivindicação por melhores condições (Matos, 1994, p. 19).[Pedrosa, p.285]
O pós-II Guerra Mundial marca também o crescimento das cooperativas de habitação:
Se existia 1 em 1925, até 1945 passariama 2 e só nos 10 anos seguintes subiria para 35 as cooperativas existentes.Em 1950, seriam já 36 500 as famílias cooperativistas nestas instituições. […] Em 1967, contavam-se 47 cooperativas no território continental e ilhas: Lisboa com 18, Porto com 12, Braga com 2 e com 1 Beja, Viana do Castelo, Vila Real, Viseu, Ponta Delgada e Funchal (Ferreira, 1979, p. 3). [Pedrosa, p.286]
Pedrosa, analisando os textos estatutários, refere que o mais comum dos processos incluía a aquisição do terrenos, construção e ocupação definidos e geridos totalmente pela cooperativa. Nestes textos encontram-se também soluções de tipo “misto” que na opinião da autora “se afastam do espírito cooperativista estrito defendido por muitos”, como a de indicarem terrenos e até tratarem das obras, relacionando-se diretamente com os empreiteiros, a de prestarem serviços de projeto, ou ainda a possibilidade de aquisição para utilização por parte dos sócios, retirando do processo a aquisição do terreno e a construção e substituindo-as pela casa construída.[4]
Segundo Ferreira, entre 1953 e 1964, teriam sido construídos 3387 fogos pelo setor cooperativo, o que corresponderia a quase 17 % da promoção de habitação pública e semipública. As cooperativas O Problema da Habitação, no Porto, a Sociedadede Fomento Imobiliário, em Lisboa, e O Lar, de Coimbra, ainda que com valores muito diferentes, eram as principais responsáveis por estes números. [Pedrosa, p.289]
Entre 1949, data em que o Entroncamento passa a ter notário público, e 1970 encontramos referência a 35 escrituras, como o exemplo da que publicamos hoje, relacionadas com Cooperativas de Habitação: 23, relativas à Cooperativa “O Lar Ferroviário”, Lisboa, 8 relativas à “O Problema da Habitação”, Porto, 3 relativas à “Sociedade Nacional de Habitações Económicas”, Lisboa e 1 relativa à “Tenho Uma Casa”, Coimbra.
Notas
1 – Os primeiros habitantes começaram a fixar-se em 1862, terminado o troço comum entre as linhas do Norte e Leste, e um apeadeiro na Charneca da Ponte da Pedra.
2 – À data existiam na área correspondente ao atual concelho o Casal das Vaginhas, a aldeia da Ponte da Pedra e o Casal das Gouveias.
3 – Bairro do Boneco, construído em 1900 pela Caixa de Socorros da Companhia Real de Caminhos de Ferro, e o Bairro de Vila Verde, construído em 1919, Ala Norte e Ala Sul, construídos entre 1917 e 1922 e o Bairro Camões, construído entre 1925 e 1927 pela Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses.
4 – Cf. PEDROSA, Patrícia Santos – As cooperativas de habitação portuguesa.[…], 2018. p.292
Referências:
PAIXÃO, Diogo – Os bairros operários da Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses. O caso do Entroncamento até à primeira metade do século XX, Porto: Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 2016. Mestrado integrado de Arquitetura. 215 pp.
PEDROSA, Patrícia Santos – As cooperativas de habitação portuguesas: O jogo dos possíveis in Habitação: Cem anos de políticas públicas em Portugal, 1918-2018. Lisboa: Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, 2018, pp.281-315